Capítulo 10

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Devia ter algum detalhe errado com o estado de Varang quando ela acordou naquela manhã, era um detalhe pequeno, portanto ela decidiu que a sensação ruim não a afastaria de suas obrigações. Ela teve uma reunião com os anciãos e guerreiros da tribo e então retornou à sua cabana, não encontrando Miles ali, mas sim, sentindo seu mal estar aumentar.

Varang então se sentou, procurando se manter calma e tranquila. Sentia a cabeça doer e os pensamentos confusos, era como se tivesse acordado não sendo totalmente como ela mesma, alguma coisa tinha mudado. Respirou fundo, com os olhos fechados, tentando buscar conexão com seu próprio espírito. Era algo que ela e seu povo tentavam de tempos em tempos, mas nem sempre, sendo mais exato, na maioria das vezes, não era bem sucedido.

Os atos do clã das cinzas eram questionáveis e eles tinham se ressentido com Eywa há muito tempo atrás. E como a deusa parecia se manter distante, a conexão era quase nula. Isso tudo justificava o insucesso de Varang em conseguir sentir a própria alma e tirar suas conclusões sobre o que estava acontecendo. Quando ela terminou mais um de seus suspiros, seu marido surgiu no lar deles, ostentando um pássaro dos vulcões.

Preocupado em vê-la pensativa, Miles se abaixou e tocou os ombros dela, olhando diretamente em seus olhos fechados, buscando alguma reação.

-Varang, você está bem? - ele perguntou, um pouco confuso.

-Meu marido, estava pensando onde você poderia estar - ela abriu os olhos lentamente, como se até esse simples ato fosse doloroso - eu me sinto com o espírito desconectado, estou tentando compreender o motivo.

-Espírito desconectado? - ele questionou, sem conseguir entender ou acreditar totalmente naquilo, ele ainda mantinha um pouco do ceticismo humano - se está se sentindo mal, não deveria consultar a tsahik e os curandeiros?

-Não, não de imediato - Varang foi sucinta, mas Quaritch entendeu seus motivos, como líder, ela não queria parecer fraca na frente de seus liderados.

-Eu tenho algo em mente, que talvez a faça se sentir melhor - ele ofereceu, pensando nos próprios métodos de afeição dela.

-Se irá me agradar, faça-o - ela demandou, altamente curiosa sobre o que ele tinha em mente.

Deixando Varang surpresa, Quaritch deixou o aposento, demorando um pouco para voltar, trazendo nos braços grossos e fortes uma tina grande o suficiente para que Varang cabesse ali.

Depois, ele a encheu com a reserva de água que tinham na cabana.

-O que é isso? Quer construir seu próprio lago? Eu estou bem o suficiente para ir até as poças - ela protestou um pouco, estranhando tudo aquilo.

-Mas pode ser que não chegue bem até lá, não sei como essa coisa de espírito desconectado funciona - ele explicou brevemente - isso é o que o povo do céu chamaria de banheira, é bem confortável, só precisa experimentar, eu acho que se você relaxar pode conectar com seu espírito de novo.

-Relaxar, você usa muito essa palavra comigo - Varang cruzou os braços, ainda em contradição.

-Por que você parece tensa - Miles riu depois de falar.

-O que é engraçado? - ela quis saber.

-Parece que invertemos nossos papéis - ele coçou o queixo distraidamente enquanto explicava - eu costumava ser tenso o tempo todo, agora sou eu que estou sendo relaxado.

-Entendo seu ponto de vista, considero isso um avanço da sua parte - ela ponderou - está bem, vamos entrar no seu lago chamado banheira.

Varang então se deixou sentar ali e imediatamente sentiu as mãos de Quaritch massageando seus ombros, o que a fez suspirar em aprovação. As mãos dele podiam ser bem delicadas quando queria ser.

Depois de um tempo nos ombros dela, ele desceu para seus braços, apertando com delicadeza. Então atingiu sua cintura, fazendo círculos com as pontas dos dedos ali. Um arrepio passou pelo corpo de Varang, como se fosse um sinal de que sua resposta para a sensaçãoo de desconexão estivesse naquela região, e estivesse ligada a Miles também.

De repente, ela agarrou as mãos dele e as segurou na região abaixo do umbigo.

-Calma aí, eu não tinha... - ele protestou um pouco, estranhando os gestos dela.

-Silêncio! - ela rebateu, enérgica, o que o fez obedecer, assustado.

A sensação de arrepio foi ficando maior, se tornando uma energia que tomou forma. Espantada com o que tinha constatado, ela soltou as mãos de Miles do mesmo modo repentino que tinha as agarrado e ficou de pé, saindo da tina, espalhando água por todo lugar, inclusive no marido.

-Varang, o que é que foi isso? Encontrou seu espírito? - Quaritch ficou de pé para questioná-la.

-Eu encontrei... outro espírito - ela murmurou, com os olhos meio perdidos - eu já tinha ouvido falar de conexões assim antes, mas... não esperava presenciar em mim mesma... será que Eywa me escolheu para algo? Ela quer que eu saiba, ela se voltou para mim, esse é um momento abençoado...

Seu consorte por sua vez, a observou cada vez mais preocupado. Varang sempre tinha sido objetiva e nunca agido daquela forma, murmurando de modo pensativo muita coisa que seu eu de outrora chamaria de baboseira. Porém, com tudo que já tinha presenciado e pelo amor e respeito que sentia por Varang, resolveu considerar o que ela estava dizendo.

-Meu amor - ele se aproximou dela, a segurando pelos ombros e a olhando nos olhos - o que é esse outro espírito que você encontrou?

-O espírito do nosso filho - ela afirmou com alegria, o que o deixou tão espantado que o fez liberar os ombros dela - eu sei o que eu senti, se formos até a Árvore das Almas, teremos a confirmação.

-Um filho? Você... - ele não encontrou as palavras certas de imediato, não queria se exaltar ou parecer indiferente, o único sentimento que tinha agora era espanto - eu sei que é possível, Sully teve quatro, afinal... era de se esperar que uma nativa e um recombinante... eu só não esperava uma concepção tão cedo.

-Esse é um sinal de prosperidade - Varang tocou o rosto dele de forma compreensiva - uma confirmação de nossa união através de outro ser, Eywa sorriu para nós, é motivo de alegria.

-Alegria... - Miles murmurou e depois de um suspiro, disse o que pensava - eu não esperava que eu pudesse ter filhos, mas eu queria que as coisas fossem diferentes com você, eu tenho a chance de ser o pai que eu não fui para o Spider, e eu vou agarrá-la.

Ele prometeu isso com uma mão firme sobre o ventre dela. Agradecida, Varang o beijou docemente, enquanto ele a segurou num abraço. Era uma surpresa e tanto, mas não menos feliz.

Melhor que o EsperadoOnde histórias criam vida. Descubra agora