Capítulo 12

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AVISO: Esse capítulo contém temas sensíveis, leia com cuidado.

Miles encarava as mãos ensanguentadas enquanto o mundo estava em chamas ao seu redor. Soldados abatidos dos dois lados do confronto, morte podia ser notada por onde se olhava. Nos braços dele, Varang dava seu último suspiro de vida, enquanto a voz retumbante de Spider o acusava sem nem um pouco de piedade.

-Você é culpado por tudo isso, você merece perder já que tirou muito de tantas pessoas... - acusava seu filho perdido.

O sentimento de culpa esmagou seu coração enquanto ele se sentia cada vez mais aterrorizado, até ter forças para despertar. Seus olhos se abriram de repente e ele se sentou num sobressalto, respirando de forma entrecortada. Aos poucos, olhando ao seu redor, ele notou onde estava, voltando à realidade. Estava na cabana, com Varang adormecida bem ali ao seu lado. Estava bem e viva, assim como ele imaginava que estivesse seu filho.

Miles se levantou lentamente, tentando se recompor e manter a calma. Se deu conta de que tinha sido apenas um pesadelo, mas no fundo do seu espírito, começou a acreditar que aquilo poderia ser o anúncio de um mal presságio. Mais uma vez, em silêncio, ele jurou lealdade e devoção à família que tinha construído ali, tinha que ser um homem melhor por eles.

Com a certeza de que Varang e o filho estavam bem, Quaritch tentou dormir outra vez, sendo bem sucedido, até ser despertado outra vez pelos gritos bem reais da esposa.

Ela tinha acordado quando ele se reajeitou na esteira que dividiam. Vendo que Miles estava tentando dormir outra vez, ela não o perturbou. Apenas virou-se para o outro lado e tentou dormir outra vez, no entanto, uma forte pontada no ventre a fez se retorcer de dor. Outra pontada veio outra vez, o que a fez gritar. Varang acabou levantando numa tentativa de se sentir melhor, mas outra pontada veio ainda mais forte, a fazendo gritar muito mais alto. 

Ao respirar fundo, sem compreender muito o que estava acontecendo, ela sentiu algo líquido entre as pernas, seu nariz captou cheiro de sangue, do seu próprio sangue. Arregalando os olhos, ela compreendeu bem o que significava aquilo. Caiu de joelhos, gritando aos prantos, sem se importar se acordaria alguém, só queria colocar para fora o tamanho da dor que estava sentindo.

-Varang, Varang, Varang... - Quaritch a chamou várias vezes, ajoelhado na frente dela, segurando seus ombros, tentando entender o que estava acontecendo, mas para ela era como se ele não estivesse ali, como se não ouvisse.

-Morte... - ela murmurou, sem conseguir olhá-lo nos olhos dele, ela gritou outra vez.

Por um breve momento, ele achou que ela tinha tido o mesmo pesadelo dele, mas então ele viu o sangue manchando o quadril dela, compreendeu o que tinha acontecido sem precisar de mais palavras.

Ele apenas a segurou contra seu peito, enquanto ela ainda chorava e esperneava, compreendendo o que tinha acontecido. Seu motivo de felicidade, sua confirmação de união, seu filho tinha morrido, sem ao menos ter a chance de ter visto a luz do dia. 

Consequências... Uma pequena parte espiritual de Quaritch compreendeu que aquilo só poderia se tratar de um castigo, ele tinha sido um homem mal, merecia ter coisas boas serem tiradas dele. Mas Varang não merecia passar por isso.

-Eu sinto muito... - ele murmurou ao ouvido dela, os olhos dele também se enchendo de lágrimas - a culpa é minha...

Sua esposa não conseguiu dizer nada em resposta, apenas chorando, externando toda sua dor. Só restava aos dois desabarem em luto e tristeza, contando apenas com a companhia um do outro.

O cansaço a deixou imóvel nos braços de Miles, tirando qualquer vontade de se mover dali. O que pensava depois de compreender o que tinha acontecido era que não havia limites para a crueldade de Eywa. Varang pensou que seu filho era uma ponte de ligação de volta com a divindade, no entanto, a Grande Mãe lhe deu esperança para depois arrancá-la dela de repente. Não conseguia compreender o que tinha feito de errado, talvez declarar guerra aos outros clãs durante tanto tempo tinha trazido as consequências da punição de perder um filho. Tudo que tinha feito era tentar defender seu povo, excluídos por todos os outros. Mesmo que Varang fosse culpada desse crime, não era nem um pouco justo que um inocente pagasse por isso.

Sem que ela soubesse, seu marido ponderava sua parcela de culpa também, ele tinha consciência da violência que tinha trazido a Pandora e portanto, precisava sentir a mesma perda que tinha causado a tantos.

Mesmo mergulhados na dor, Miles sabia que não poderiam ficar ali. Se tinha aprendido algo com Varang no tempo que estavam juntos, era que ela teria que se portar como a líder imponente novamente. Ela precisaria do seu apoio naquele momento.

-Se quiser culpar algo ou alguém, culpe a mim - ele murmurou delicadamente ao ouvido dela, enquanto ainda a segurava.

-Eu achei que Eywa poderia ser bondosa comigo - ela respondeu falando mais baixo ainda - mas eu estava errada...

-Você precisa se lavar - ele tentou se concentrar na necessidade do momento.

Ela apenas balançou a cabeça sem forças, se recusando a fazer qualquer coisa que requeresse sua energia. Ainda assim, Miles insistiu com ela, porém não mais com palavras, apenas respondeu com ações. 

Ele a levantou em seus braços de forma cuidadosa, a fez se sentar na tina outra vez,  então se pôs a esfregar suas costas e pernas com um pano limpo. Varang continuou imóvel, recebendo os cuidados do marido com um olhar perdido e imóvel que simplesmente não conseguia focar nele. Ela continuou nesse estado quando ele a deitou na esteira outra vez. 

-Trate de descansar - ele desejou, sabendo que não seria uma tarefa nada fácil para ela.

Surgiu uma vontade em Miles de deixar a cabana e buscar por Eywa na Árvore das Almas, numa tentativa de buscar motivos para o que houve, contudo ele sabia que não poderia deixar a esposa sozinha naquele estado.

Ele apenas segurou Varang nos seus braços outra vez, a mantendo por perto. Em silenciosos pensamentos, questionou a Eywa, se, por alguma fração de compaixão, poderia perdoá-los pelas transgressões que cometeram.



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