TPM

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Quando eu era uma pré-adolescente, eu achava esse negócio de TPM uma coisa muito útil e queria ter para mim. Como fui a última das minhas primas e amigas a menstruar, ouvia todas elas falando sobre isso, principalmente reclamando com a boca suja de chocolate. Eu odiava a expressão "virar mocinha", mas não via a hora de escutar alguém me acusando disso. Queria ter a vontade louca de comer doce e dizer à professora de Educação Física que eu não poderia participar da sua aula por causa de inchaço no corpo ou só por vontade de chorar incontrolavelmente.

Pensando bem, naquele tempo, o meu verdadeiro desejo era só virar mulher e, pelo que eu sabia, só se virava mulher quando se tinha TPM para depois sangrar pela boceta por dias. Foi assim que Eva virou mulher de verdade, não foi? Após comer do fruto proibido, Deus a sentenciou à menstruação, e esse foi o seu seja bem-vinda ao mundo real, sua vadia.

Eu queria ser mulher de verdade, do mundo real, então, quando menstruei aos quatorze, fiquei bem emocionada, só que um pouco decepcionada: não tive TPM nem cólica e meu sangue tinha cor de bosta. Havia algo de errado comigo? Logo me disseram que, no começo, era assim mesmo. Eu teria que esperar ainda mais para viver o meu desejo feminino.

Hoje, eu sou o que achava ser uma mulher de verdade. Meu corrimento é pontual, dura quase uma semana completa e tem cor vermelhíssima. Já a minha TPM, no entanto, não é recorrente. Tem meses que a percebo, tem meses que não. Ela escolhe momentos estratégicos para me pegar ou só combina com os conflitos da minha vida.

Minha última TPM, há dois dias, foi de longe a mais agressiva que já vivi. Não tive vontade só de comer doces, mas acabei com pães e ovos como um animal da selva, fiz fileira de iogurtes na pia da cozinha e paguei por um frete absurdo apenas para comer sorvete de frutas vermelhas e chocolate no meio da tarde.

Só que o pior não foi isso.

Olhe bem, não sou uma pessoa irritada por natureza, geralmente, minha calma até surpreende algumas pessoas... Mas, quando estou para menstruar, irritação é o primeiro sinal de que os hormônios estão fazendo o inferno dentro de mim. Coisas pequenas me irritam, então imagine as grandes...

Nos últimos dois dias, vivi crises de depressão, ansiedade e raiva. Chorei para fora, queimei por dentro. Ajudou que, no último mês, eu tenha passado por um dos momentos mais difíceis da minha vida, então me vi jogando frustrações, memórias e cenários imaginários em um grande caldeirão interno. Como uma bruxa de conto de fadas, misturei o conteúdo venenoso desse caldeirão enquanto estive sozinha em casa. Em seguida, fiz questão de tomar o que cozinhei, com vontade de matar o que em mim não prestava.

Não sei se alguém já teve alguma TPM assim, só que nunca senti tanta raiva de mim mesma.

Raiva por ser eu, pela minha cabeça funcionar da forma que funciona. Raiva por quebrar por coisas poucas. Raiva por me relacionar com os outros de um jeito errado ou por aumentar o muro entre mim e a ajuda alheia. Raiva por querer tanta coisa e não conquistar nada. Raiva por ser mais resto que construção de gente. Raiva por não ter perguntado e revistado os erros do meu marido e mais raiva ainda por não ser confiante e forte na nossa relação. Raiva por não ter ligado mais para a minha vó desde que saí de casa. Raiva por não paparicar a minha mãe quando ela merece mais que qualquer outra pessoa. Raiva por não ter uma boa relação com o meu pai e saber o quanto isso prejudica a minha criança interior. Raiva por às vezes me esquecer de que tenho um irmão. Raiva por estar trancada num apartamento enquanto o mundo vive lá fora.

Há um bom tempo, me amar não tem sido tarefa fácil, mas, nesta TPM, com toda essa raiva, se tornou impossível.

É estranho chegar a este ponto, de não querer a própria companhia. Antes, eu gostava tanto de ficar sozinha e tirar ideias, trabalhos e sonhos da cartola... Porém, em algum momento da vida, eu perdi a mágica e, por mais que tente encontrá-la, parece que só fico me arrastando por migalhas do que um dia eu fui. E isso é o que mais me dá raiva, acima de tudo...

No fundo, sei que nada disso é culpa de uma TPM que personifiquei como uma vilã odiosa, tal qual Rita Repulsa, Paola Bracho ou a Carminha da Adriana Esteves... Mas, às vezes, é bom botar toda a culpa numa disfunção química e hormonal do que ser enterrada pelas camadas de mim mesma...

Menina, eu achava que TPM era algo útil. E não estava de todo errada.

O que se passa na cabeça dela?Onde histórias criam vida. Descubra agora