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Dona doida

"Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso

com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.

Quando se pôde abrir as janelas,

as poças tremiam com os últimos pingos.

Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,

decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.

Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,

trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.

A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,

com sombrinha infantil e coxas à mostra.

Meus filhos me repudiaram envergonhados,

meu marido ficou triste até a morte,

eu fiquei doida no encalço.

Só melhoro quando chove."
-Adélia Prado.

Despedida

"Por mim, e por vós, e por mais aquilo

que está onde as outras coisas nunca estão,

deixo o mar bravo e o céu tranquilo:

quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.

E como o conheces? - me perguntarão.

- Por não ter palavras, por não ter imagens.

Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.

Viajo sozinha com o meu coração.

Não ando perdida, mas desencontrada.

Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.

Voou meu amor, minha imaginação...

Talvez eu morra antes do horizonte.

Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.

(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!

Estandarte triste de uma estranha guerra...)

Quero solidão."
-Cecília Meireles.

Saudades

"Nas horas mortas da noite

Como é doce o meditar

Quando as estrelas cintilam

Nas ondas quietas do mar;

Quando a lua majestosa

Surgindo linda e formosa,

Como donzela vaidosa

Nas águas se vai mirar!

Nessas horas de silêncio,

De tristezas e de amor,

Eu gosto de ouvir ao longe,

Cheio de mágoa e de dor,

O sino do campanário

Que fala tão solitário

Com esse som mortuário

Que nos enche de pavor.

Então - proscrito e sozinho -

Eu solto aos ecos da serra

Suspiros dessa saudade

Que no meu peito se encerra.

Esses prantos de amargores

São prantos cheios de dores:

- Saudades - dos meus amores,

- Saudades - da minha terra!"
-Casimiro de Abreu.

P᥆ᥱ꧑ᥲ᥉ ᥎ᥲzι᥆᥉ dᥱ ρ᥆ᥱ᥉ιᥲ᥉ ᥉ᥱ꧑ ρᥲᥣᥲ᥎rᥲ᥉Onde histórias criam vida. Descubra agora