•𝐁𝐑𝐘𝐀𝐍𝐍𝐀•
Vazio.
Raiva.
Indignação.
Tristeza.
Medo.
Esses são os únicos sentimentos que consigo identificar. Acabei de enterrar meu pai, e o peso do momento deveria ser insuportável, mas tudo o que sinto é um abismo dentro de mim. Não há lágrimas, nem consolo. Apenas o silêncio gritante da revolta.
Ao meu redor, os "parentes" fingem tristeza, vestindo máscaras perfeitas enquanto o líder religioso faz suas preces. É revoltante. Ontem mesmo, em casa, ouvi comentários velados culpando meu pai por sua própria ruína, como se ele fosse o único responsável.
Hipocrisia. Essa é a palavra que define tudo. Não apenas por parte deles, mas também porque parte do que aconteceu com meu pai é culpa da própria família. Lembro-me muito bem do dia em que ele implorou por ajuda. Ele estava disposto a mudar, a lutar contra os próprios demônios, mas ninguém quis estender a mão.
Foi um dia nublado, e ele chegou em casa embriagado, como tantas outras vezes. Eu e Magnólia, minha irmã, já sabíamos o que nos esperava. Sempre que ele aparecia naquele estado, nossa única opção era o refúgio. Naquela tarde, nos escondemos no guarda-roupa do quarto. Estávamos apertadas, quase sem respirar, mas sabíamos que ficar ali era mais seguro do que enfrentá-lo na sala.
Então, ouvimos sua voz.
— Meninas!
O chamado ecoou pela casa, e nossas mãos tremeram. Magnólia segurou firme a minha, mas hesitava. Sabíamos que ignorá-lo só pioraria as coisas. Abrimos a porta do guarda-roupa e descemos as escadas, os passos lentos e pesados.
Ele estava ajoelhado no meio da sala, o rosto molhado de lágrimas, os olhos vermelhos e inchados. Parecia devastado, como se estivesse à beira de um precipício.
— Papai? — Magnólia falou, se aproximando com cuidado, como quem tenta acalmar um animal ferido. Ela me abraçou instintivamente, tentando proteger a si mesma e a mim ao mesmo tempo.
— Estou aqui, meninas — sua voz era estranha, carregada de uma tristeza que eu não sabia se era genuína ou se estava prestes a se transformar em fúria.
— Peguem as coisas de vocês — ele disse, forçando um sorriso estranho, que mais parecia uma máscara. — Vamos visitar a vovó. Faz tempo que não a vemos, não é?
O tom descontraído parecia fora de lugar. Eu e Magnólia trocamos um olhar confuso.
— Tá bom, papai. Já voltamos — dissemos em uníssono, antes de subirmos correndo as escadas.
Enquanto eu colocava algumas roupas em uma mochila, meu coração estava acelerado. Não conseguia parar de pensar na expressão dele, na forma como parecia tão abatido, tão destruído.
— Mag? — chamei minha irmã, que estava no outro canto do quarto.
— O quê?
— O papai... ele estava estranho. Acho que ele tomou o "suco de adulto" de novo — sussurrei, sentindo o pânico crescer no peito. Toda vez que isso acontecia, ele quebrava coisas pela casa e gritava o nome da mamãe. Era sempre o mesmo ciclo, sempre o mesmo terror.
Magnólia parou por um momento, como se estivesse pensando na resposta certa.
— Não, Bry. Acho que ele está só cansado do trabalho. Ele não dorme direito... Deve ser isso.
Havia algo na voz dela que me fez hesitar. A falta de convicção. Os dedos dela beliscavam a mão esquerda, um hábito que eu conhecia bem. Magnólia só fazia isso quando estava nervosa ou mentindo.
— Tem certeza, Magnólia? — perguntei, a voz trêmula, temendo a resposta.
Ela desviou o olhar, virou o rosto para o lado e evitou me encarar.
— Bryanna, por favor. Não complica. Vamos fazer logo o que ele pediu. Não quero que ele fique bravo e suba aqui...
Havia um medo contido em suas palavras, mas não insisti. Peguei minhas coisas, e juntas descemos novamente.
O que aconteceu depois daquela noite ainda ecoa na minha mente como uma tempestade. A dor, a culpa, o arrependimento... Eles continuam me assombrando. Talvez por isso, ao enterrar meu pai hoje, o vazio seja a única coisa que resta.
sem revisão
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𝐖𝐡𝐞𝐧 𝐰𝐞 𝐦𝐞𝐞𝐭
RomanceEle carrega um segredo sombrio, um crime que mudou para sempre o destino de duas vidas. Por um capricho cruel do destino, ele se apaixonou pela única pessoa que jamais poderia perdoá-lo: a filha de sua vítima. Agora, preso entre o amor e a culpa, v...