•𝐁𝐑𝐘𝐀𝐍𝐍𝐀•
Apenas uma noite. Apenas mais uma cicatriz.
Eu sabia que ela estava nervosa, mesmo tentando esconder. Bastou chamá-la pelo nome para perceber que Magnólia também carregava o mesmo medo que eu. Não dissemos nada enquanto deslizávamos escada abaixo, nossas mochilas nos ombros, as mãos suadas e o coração inquieto. Papai pegou as chaves na cozinha, seus movimentos tensos e apressados.
Saímos de casa em silêncio, seguindo-o como pequenas sombras. Ele abriu a porta do carro e nos acomodamos no banco de trás. Seu olhar ia e vinha pelo retrovisor, observando-nos com algo que parecia... desespero.
Por mais estranho que fosse, ele não parecia completamente bêbado. Dirigia devagar, com uma calma que não combinava com o homem que tantas vezes transformou nossa casa em um campo de batalha. Porém, seu murmúrio constante me deixou inquieta:
— Elas vão ficar bem.
— É o melhor para elas.
— É o que Liana faria. Ela cuidaria de vocês.O nome de nossa mãe ecoava em sua voz, como um lamento. Eu olhei para Magnólia, mas ela evitou meu olhar, encarando a janela como se tentasse fugir daquele momento.
Quando chegamos à casa da vovó, papai saiu do carro rapidamente e abriu a porta da frente com força.
— Mas o que está acontecendo? — perguntou tio Elijah, vindo em nossa direção, mas parou assim que nos viu.
— Elijah, precisamos conversar — disse papai, nervoso. — Chame a mãe e a Rebeca.
Vovó apareceu logo em seguida, com sua expressão cansada, mas calorosa. Ela nos cumprimentou com beijos suaves na testa, assim como tia Rebeca, que vinha logo atrás. Depois, todos subiram juntos, deixando-nos na sala.
Tio Elijah nos lançou um olhar estranho — algo entre pena e preocupação — e chamou tia Dana. Quando ela chegou, ele fez um gesto breve, e ela entendeu imediatamente.
— Meninas, quanto tempo! — disse tia Dana, abrindo um sorriso caloroso.
— Oi, tia — respondeu Magnólia, abraçando-a com força.
— Oi, tia — eu disse, seguindo o mesmo gesto.
— Estão com fome? — perguntou ela, e nossos rostos se iluminaram.
Embora papai se esforçasse para cozinhar, sua comida nunca nos agradou muito. Ele evitava sal e temperos fortes, sempre dizendo que queria nos manter saudáveis. E, de fato, éramos. Eu e Magnólia quase nunca ficávamos doentes fisicamente, mas psicologicamente... Desde a morte de mamãe, nunca mais fomos as mesmas.
Fomos para a cozinha e nos sentamos à mesa. A comida de tia Dana era sempre maravilhosa. Comi dois pratos de macarrão com queijo e bebi um copo de suco de maracujá. Magnólia, por outro lado, já estava no terceiro prato, sorrindo como não fazia há muito tempo.
Mesmo assim, algo estava errado. Papai não tinha aparecido para comer, o que era incomum. Ele sempre era o primeiro a se servir. Meu coração apertou. Não falei nada para Magnólia, mas decidi procurá-lo.
— Com licença, vou ao banheiro — menti, levantando-me da mesa.
Tia Dana estava distraída com a novela na TV, e Magnólia estava ocupada devorando o macarrão, então o caminho estava livre. Subi as escadas devagar, tentando não fazer barulho. Quanto mais me aproximava do quarto, mais o som de um choro abafado preenchia o ar.
Era papai.
A porta estava entreaberta, e eu espiei pela fresta. Ele estava ajoelhado no chão, chorando no colo da vovó. Sua dor era quase palpável.
— Eu não aguento mais, mãe. Liana era tudo o que eu tinha... — disse ele, com a voz quebrada.
— Ela te deixou as meninas para cuidar sozinho. Deveria sentir raiva, e não chorar como um idiota — respondeu tia Rebeca, com os braços cruzados e o olhar frio.
Tia Rebeca sempre foi uma pessoa difícil. Quando queria, sabia exatamente como ferir com palavras afiadas e um tom cheio de desprezo. Ela nunca hesitava em demonstrar sua frieza, e eu sempre detestei isso nela.
— Você só pode estar brincando, Rebeca! — disse tio Elijah, a voz carregada de irritação. — O que tem na sua cabeça? Merda?
Rebeca revirou os olhos, cruzando os braços como se estivesse completamente indiferente.
— Ah, me poupe, Elijah! Não vai me dizer que está com pena dele agora.
— Pena? — rebateu ele, a voz ficando ainda mais dura. — Eu não tenho pena nem de mim mesmo, quanto mais de alguém. Mas também não vou ficar falando um monte de bosta como você, sua idiota.
— Não falei nada além da verdade, Elijah — retrucou ela, em um tom cortante.
Enquanto os dois discutiam, vovó permanecia calada. Ela estava sentada com meu pai em seu colo, como se fosse uma criança. Seu olhar era pesado, cheio de pena, mas também parecia distante, como se estivesse tentando entender tudo que acontecia ao seu redor.
— Essa é a primeira vez que Edgar pede ajuda, e eu não vou virar as costas para ele! — declarou Elijah, decidido. Ele se inclinou levemente, encarando meu pai com firmeza. — Edgar, semana que vem você vai se internar. Não tem discussão.
Rebeca praticamente explodiu, sua voz cortando o ambiente como um trovão.
— O quê? Não, Elijah! — Ela passou as mãos pelo cabelo, claramente nervosa. — Quem vai pagar por isso? Nós não temos condições!
— Fala baixo, as meninas estão lá embaixo — disse Elijah, tentando manter o controle.
— Desculpa, mas você precisa pensar com mais lógica — insistiu Rebeca, sem abaixar completamente o tom. — Elijah, olha para a situação dessa casa. Estamos passando por dificuldades, e agora você quer assumir mais esse peso? Como vamos sustentar tudo isso?
Elijah hesitou por um momento, olhando para Rebeca, depois para meu pai, e por fim para vovó, como se buscasse uma resposta que ele mesmo não tinha.
— Mãe, o que a senhora acha? — perguntou ele, a voz agora cheia de incerteza.
Vovó, que estava imóvel até então, ergueu o olhar.
— Vamos tratar o Edgar — respondeu ela, sua voz firme, mesmo que seu rosto demonstrasse exaustão. — E você, Rebeca, cale a boca.
Rebeca ficou estática por um instante, mas logo sua indignação voltou com força.
— Não, mãe! Venha, vamos conversar — disse ela, segurando o braço de vovó e praticamente arrastando-a para fora do quarto.
Enquanto elas saíam, meu pai, exausto, finalmente desabou no sono. Sua respiração pesada misturava-se com os ecos das vozes que ainda discutiam pelo corredor.
Aproveitei a oportunidade e corri para o banheiro no fim do corredor, fechando a porta atrás de mim. Meu coração batia rápido, e meus pensamentos estavam confusos.
Eu não sabia o que tia Rebeca tinha dito à vovó naquele momento, mas algo aconteceu. Semanas se passaram, e meu pai nunca foi internado. Seus dias se tornaram ainda mais sombrios, seu estado apenas piorou.
O que me doía mais era saber que todos ali sabiam da gravidade da situação. Mas eles escolheram virar as costas. Eles eram nossa família... ou pelo menos fingiam ser.
⭐️
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𝐖𝐡𝐞𝐧 𝐰𝐞 𝐦𝐞𝐞𝐭
RomanceEle carrega um segredo sombrio, um crime que mudou para sempre o destino de duas vidas. Por um capricho cruel do destino, ele se apaixonou pela única pessoa que jamais poderia perdoá-lo: a filha de sua vítima. Agora, preso entre o amor e a culpa, v...