Capítulo 1

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- Saco nem deitei e já tenho que levantar de novo
Morar sozinha é um privilégio que eu conquistei aos 18 anos, hoje com 24 não quero outra vida pra mim, não ter que dar satisfação pra ninguém, fazer comida na hora que eu quero, não me preocupar com louça dormindo na pia, com pessoas mexendo nas minhas coisas, pra mim não há dinheiro nesse mundo que pague, o problema talvez o único que eu vejo é abrir a geladeira atrás de alguma coisa pra comer e na maioria das vezes não ter nada, porque eu não fiz, também chego da faculdade a meia noite, e as 4 já tenho que estar de pé pra no máximo as 5 estar no ponto do ônibus indo pro trabalho. Nessa uma hora eu tenho que arrumar as minhas coisas, tomar um banho rápido e sair, as vezes ainda mastigando um pedaço de pão que estava no armário há 2 dias, ou comendo um pacote de bolachas. Meu expediente começa às 7, mas gosto de chegar lá um pouco antes, não é sempre que eu consigo porque o trânsito em São Paulo tá a cada dia pior, mas na maioria das vezes dá. No caminho eu compro alguma coisa pra comer, porque onde eu trabalho não tem nada por perto, quando não dá tempo sou obrigada a me sentar naquele refeitório cheio de homem machista os famosos hetero top, e esperar o pão com manteiga que o governo oferece. De pensar que estudei tanto pra conseguir esse emprego, e agora tô estudando o dobro pra conseguir sair dele. Sou agente penitenciária, trabalho em uma penitênciaria masculina, sim masculina, mas não tenho contato com os presos, cuido da parte mais burocrática, das cartas que chegam dos famosos "jumbos" que nada mais é do que as coisas que as famílias mandam para os detentos. E todos os dias chegam, aí tenho que olhar coisa por coisa, item por item, desde o sabão em pó pra ver se é sabão e não o pó, até abrir um pacote de biscoito pra ver se não encontro um celular enfiado no meio. E acredite, já vi tanta coisa que não tá escrito e por falar em escrito, tem a parte das cartas, ler uma por uma pra ver se não tem nada de errado, um plano de fuga por exemplo, as vezes acontece, mas na maioria das vezes o que eu encontro é um monte de juras de amor escritas com dezenas de erros de português e fotos de criança, velho, mulher fazendo as mais variadas e engraçadas poses. As cartas que vão eu também tenho que olhar, e essas são mais engraçadas do que revistinhas de piadas. Corações gigantes cortados com flechas, juras de amor eterno, pedidos dos mais variados, arrependimento a rodo reclamações e mentiras, mentiras, mentiras... De todas as formas a mais variadas ...

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