Meu turno se encerra as 16, eu poderia trabalhar dia sim dia não, mas optei por trabalhar das 7 as 16 tendo direito a uma folga na semana e dois domingos no mês. Pra mim é melhor, pela faculdade, saindo as 7 jamais conseguiria chegar a tempo da primeira aula. E também trabalhando menos horas todas os dias a impressão que dá é que trabalho menos.
- Já vai?
- Já sim
- Mamata em ?
Preferi ignorar mais esse comentário do Léo, e ele bem que poderia se tocar. Depois do café trabalhei a tarde com os fones de ouvido, só pra não ter que ouvir ele falar, e mesmo assim ele falava chegando muitas vezes a audácia e tirar um dos meus fones, pra falar uma besteira eu concordava e revirava os olhos.
A parte da tarde passou rápido e eu tive a paciência de além de ler contar todas as cartas. Acreditem, só eu li 118, fora as do Léo
Passei pela sala do diretor pra me despedir, dele eu gostava, embora não tivéssemos muita intimidade, na verdade quase nenhuma, ele era um homem admirável. Casado, pai de 3 filhos já formados e casados, e muito religioso. A sala dele parecia um altar de tantas imagens de Santo.
- Tô indo nesse seu Robério
- Vai lá minha filha, amanhã é dia folga né?
- Sim
- Aproveite, eu sei o quanto esse trabalho é estressante, toma aqui - ele abriu a gaveta e me deu um pacotinho - aqui é um chá de erva de são João é muito boa, um calmante natural, antes de deitar faça uma infusão com ele e tome, não se esqueça de rezar
- pode deixar
Peguei o saquinho e coloquei na minha bolsa, provavelmente eu iria esquecer de tomar e me lembraria somente quando ele me perguntasse o que eu achei, e eu ficando sem graça em ter que mentir dizendo que adorei.
Da penitenciária eu ia direto pra faculdade, tinha que esperar um pouco até a aula começar, mas se eu fosse pra casa pra depois voltar além de gastar muito, provavelmente eu chegaria atrasada
Nesse meio tempo, costumo ler, ouvir música, assitir algumas séries
Curso comércio exterior, nada relacionado a minha atual área eu sei, mas é algo que eu sempre quis fazer. Naquele dia eu tive apenas 2 aulas e fui pra casa mais cedo. Antes passei no supermercado, comprei algumas coisas, produtos de higiene e comida, precisava me alimentar melhor, a comida servida na penitenciária é a mesma que dão aos presos, não é de todo um ruim, mas é cheia de condimentos, corantes e substâncias desconhecidas, que fazem que com a gente coma pouco e engorde muito.
Olhando o preço das coisas no mercado eu fico só me perguntando... Como a família daqueles presos conseguem mandar toda a semana ou a cada duas, uma caixa com tantas coisas? Tá tudo muito caro, e as coisas que elas mandam são de qualidade, coisas que eu mesma não tenho coragem de comprar porque fogem totalmente do meu orçamento. Tô tentando juntar dinheiro pra uma viagem, mas tá bem difícil. Água, luz, aluguel, condomínio, internet, alimentação, vestuário, a faculdade eu não pago, passei em uma prova e tenho uma bolsa de 100%, mas mesmo assim se gasta, com livros, condução...
Já pensei em morar em república, em alugar uma casa em um bairro inferior, mas depois eu penso já minha privacidade e segunaca. E deixo pra lá. Morar em um apartamento, mesmo que alugado me faz me sentir mais segura, mesmo não falando e conhecendo quase ninguém do prédio, não por ser anti-social, mas por não ter tempo, parece que quando chego na portaria, tudo o que eu vivi o dia todo fica pra fora. Eu simplesmente tento me desconectar do mundo e das grades e entrar nesse outro. Com grades também. Mas, bem menos intimidador.
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Tudo tem um risco
RomanceNada poderia dar errado na vida de Eva, uma moça simples, dedicada e com princípios. Porém sua vida muda quando se apaixona por uma pessoa do lugar onde trabalha. Nada anormal se ela não trabalhasse em um presídio.