I - Um Fardo

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Notas iniciais:
Tw: Não leia se tiver gatilho com abuso infantil implícito, trabalho infantil ou abuso psicológico.

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Ramiro aprende aos 5 anos qual era o seu lugar na vida dos outros.

Para sua mãezinha querida, ele pode ver em seus olhos cerrados e em seus suspiros cansados toda vez que ele entra na sala, ele era um fardo.

Para seus primos favoritos, ele pode ouvir nas risadinhas e nos sussurros maldosos, ele é uma piada.

Para os amigos de sua mãe, percebe-se só pelos revirares de olhos e nos empurrões e comentários cruéis, ele é um pobrema.

Para seus avós, Rami pode notar por suas carrancas e por seu isolamento quando o garotinho esta na sala, ele é só um atraso na vida da filha querida deles.

Para as outras crianças, Ramiro é um esquisito chorão e dramático.

De alguma forma, o jovenzinho mesmo não querendo, quando está na vida dos outros sempre acaba se tornando um fardo.

E não importa o quanto ele queira mudar isso. . . ele nunca consegue sair dessa posição miserável.

O cacheado já entende bem o quanto ele atrasa a vida das pessoas e que ele não deveria se tornar mais um pobrema do que já era! E Ramiro levou a sério cada palavra e olhar, ele é muito observador apesar de todos os adultos amarem repetir o quão bobo ele é.

Ele tenta todos os dias mas por algum motivo, seu lugar parece já estar definido aos olhos daqueles ao seu redor e não importa o que ele faça, ele nunca consegue mudar isso.

Para os adultos, Ramiro sempre será o chorão, o fardo... o pobrema... o atraso.

Mesmo sendo um menino que já é grande e que sabe bem que se se sentir mal ele não deve incomodar os adultos ao seu redor! Mesmo não querendo piorar mais as coisas, mesmo tentando o seu melhor, no final do dia Ramiro será o desastre ambulante e a irritação constante que ele sempre foi.

Ramirinho entendeu bem desde que se conhece por gente que o que ele ganhava era apenas o que merecia e ele não tinha o direito de reclamar disso, se ele queria melhor, deveria fazer melhor!

Se ele queria mais comida, ele deveria trabalhar mais para conseguir e não ficar reclamando da dor em seu estômago vazio. Se ele queria mais afeto, ele deveria ficar mais quieto e se tornar uma criança mais digna da atenção de sua família, se ele queria ir mais para a escola e menos para a lavoura, ele deveria provar que era inteligente o suficiente para merecer permanecer lá! E se ele queria que sua família o amasse mais, ele deveria ser mais.

(Ramiro sabe disso mas as vezes, as vezes, ele não quer ser um macho ou um bebê chorão, as vezes ele quer ser uma criança. Ele sabe que pensar isso é egoísta mas as vezes. . . ele quer ter permissão para ser uma criança. E ele sabe que todos estão lutando mas as vezes ele quer se encolher nos braços da sua mãe e se esconder da luta, as vezes Ramirinho não quer ser grande. As vezes ele quer ser pequeno. . . E esse é o seu maior e pior segredo. )

Ramiro só ganharia o que merecesse e ele estava tentando tanto tanto merecer mas. . . Era tão difícil! E seus braços estavam tão cansados e arranhados, suas pernas tão doloridas e sua barriguinha ardia cada vez mais.

(Ele se sente fraco. . .)

Ramiro quer mais do que tudo ser o macho que sua família quer...

Quer ser o macho que não chora, o macho que não ri que nem uma garotinha por qualquer besteira, o macho que não fica de fru-fru, o macho que é viril e másculo e forte! O Macho que protege e cuida!

O Macho que não é um fardo...

O Macho que não é olhado com dor por sua mãe só por estar na mesma sala.

O macho que não machuca os outros e Ramiro quer se tornar um macho, ele quer tanto... tanto... tanto parar de machucar os outros!

Ele quer tanto ser um macho e um bom menino, ele quer tanto orgulhar sua mãezinha e ser o filho que ela merece, ele quer ajudar, e se pra isso ele tem que ignorar a dor em seu coraçãozinho, então... não vai ser um pobrema. . .

Mas as vezes é difícil e as vezes ele está tão cansado.

( E ele sabe que ele é jovem demais para estar cansado, ele sabe que isso não é algo que ele possa fazer porque ele não faz nada além de ajudar mamãe em casa e na lavoura e estudar. . . Ele sabe, ninguém precisa continuar dizendo para ele o quão fardo ele é. . .

Ele sabe que não deve mas as vezes. . . Ele está tão cansado.)

E ele jura que vai ser o santinho de procisão, ele vai ser a criança sorridente, ele vai tirar notas boas e ele vai fazer sua mãe sorrir. Não importa o que aconteça e o que custar, ele vai conseguir!

(Ramiro sonha em ser o que sua família quer. . .)

Mas por hoje, ele vai deitar em seus próprios braços em baixo de sua cama e ele vai ser apenas o que ele sabe que é.

Ramiro, o fardo.

Luz e SombraOnde histórias criam vida. Descubra agora