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NOAH U

Uma coisa que eu entendia e aceitava sobre mim mesmo era que eu era diferente. Eu pensava diferente, sentia diferente e reagia diferente da maiorias das pessoas. Isso me fez começar a relevar certas escolhas e atitudes contrárias às minhas. Deixei de tentar entender o que os fazia ser assim e apenas aceitei. Any tinha sim muitas semelhanças comigo, mas ela sentia-se de maneira diferente quando se tratava de dar valor às pessoas. Para mim, só a própria Any valia alguma coisa, mas para ela havia a família. Família essa que estávamos mantendo em cárcere privado no mesmo porão onde passamos dias torturando uma pessoa.

Eu sabia que não teria como ele sair de lá sem dar com a língua nos dentes. Any também sabia disso, mas estava adiando o inevitável. Uma hora ou outra teríamos que nos livrar de Lamar definitivamente e eu estava somente esperando ela decidir a hora em que deixaria eu fazer aquilo.

Na manhã seguinte do ocorrido, eu fiquei encarregado de alimentar o Lamar enquanto Any estivesse trabalhando nas buscas por mim. Incrível como ninguém estava apontando o dedo para ela ainda, Any realmente era excelente em encobrir as coisas.

Preparei o café da manhã de Lamar e levei para ele no porão. Havíamos arranjado uma corrente para seu tornozelo e ele estava mais livre para se mover. Assim que desci carregando as panquecas e o suco de laranja, ele manteve uma postura tensa e não parou de me encarar. Coloquei a comida sobre a mesa, um pouco longe mas perto o suficiente para ele ir até lá.

— Sua irmã precisou ir até a delegacia. Ela continua atrapalhando as buscas sem que ninguém perceba. — eu ri. — Any tem um talento natural para fingir.

— Isso não me surpreende. — ele disse. — Ela sempre gostou de mentir. Tenho certeza que ela mente pra você também.

Fiquei sério e interessado naquele assunto, mesmo achando que Lamar poderia estar jogando com a minha cabeça por alguma razão.

— O que quer dizer? — perguntei.

— Você deve achar que tem a Any nas suas mãos, mas é o contrário. Sem que perceba estará concordando com tudo o que ela quer.

— Eu concordo com tudo o que ela quer e percebo isso muito bem. Eu faria tudo por ela. Literalmente tudo. — usei um tom o mais claro possível.

— Isso é um problema. — suspirou. — Enfim, não acho que isso vai acabar bem de qualquer forma. Eu nunca vi ela se enfiar tanto de cabeça nas próprias mentiras antes.

— Antes? Ok, Lamar... — respirei fundo. — O que exatamente te faz achar que a Any gosta de mentir?

— Sou irmão dela. Irmão e melhor amigo. Conheço ela melhor do que me conheço e sei com toda a certeza que o que ela mais ama na vida é mentir para se dar bem.

— Prossiga.

— Quando éramos crianças tivemos muitas babás. Elas duravam muito pouco porque a Any sempre inventava alguma coisa. Dizia que a babá tinha batido nela ou que roubou alguma joia da mamãe. Meus pais sempre acreditavam porque achavam que crianças não mentiam. Uma vez eu desmenti a Any e ela levou uma surra e ficou de castigo. Naquele dia ela disse que me odiava e que queria me matar. Eu me senti tão mal que jurei que jamais iria me meter nas mentiras dela porque ela poderia se dar mal sozinha e aprender com isso.

— E ela continuou a mentir?

— Pareciam mentiras bobas no começo. Ela chegava à escola dizendo que tínhamos passado as férias de verão esquiando ou, sei lá, no Havaí. Ela até pesquisava sobre os pontos turísticos para saber o que dizer e parecer convincente. Às vezes até eu me perguntava se realmente não tínhamos feito aquelas coisas. Quando alguém me perguntava eu só dizia que sim, era verdade, mas não dava detalhes. Eu estava só protegendo ela porque ela parecia muito mais feliz quando alguém estava dando atenção à vida dela, mesmo sendo uma vida mentirosa.

Reaper ⁿᵒᵃⁿʸOnde histórias criam vida. Descubra agora