Uma estrada por seguir: 3

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O mundo parecendo imaginário de onde Ciro fazia parte agora parecia mais vivido e real, ao menos passara a ter manhãs e noites. A visita inusitada e muito menos planejada da "bela", como o homem a chamava em sua mente, trouxera um brilho distinto ao lugar e mudanças. O ambiente parecia funcionar como o coração de seu único habitante e esse estava a dedicar cada batida aos olhos de jabuticaba, aos cabelos noturnos, ao sorriso ensolarado, ao aroma floral e ao toque tão quente quanto um doce e afável abraço.

Ele estava sentado na grama que parecia mais fofa e macia, sentia-se abraçar pelo verde reluzente, e podia vislumbrar borboletas de todas as cores rodeando o lugar. Suspirava ao recordar a mulher que percorria sua pele, a essência dela permanecia nele como águas tranquilas, a paz invadia seu ser ao recordar sua voz como delirante melodia. Em outras eras poderiam ter tido a oportunidade de se conhecerem, mas hoje ela era como um sonho nunca alcançado e um beijo jamais sentido. As borboletas pareceram passear por seu estômago quando percebeu a chegada dela do outro lado daquele cruel espelho que os dividia e nunca a deixaria saber dele. Se levantou com um sorriso bobo e olhos iluminados acompanharam os movimentos sutis dela. Ela fitou a barreira que não sabia existir e começou a despir-se de suas vestes. A camisa branca aberta botão por botão e as calças descendo por suas esbeltas coxas.

- Ela é uma deusa... uma escultura... meu Deus - Quase tonteou com a visão de seu maiô esportivo - Que falta de cavalheirismo meu! - Reprovou seu próprio desejo e virou de costas.

O sol refletiu na água e parecia banhar a Terra quase colada para a admirar também. Ele ouviu quando a mesma mergulhou, a água balançou estremecida pela honra de a sentir, seu mundo pareceu colidir com a paixão ao pensar em seu corpo e suas curvaturas tão perfeitamente desenhadas. As estrelas a veneravam junto a ele. Os pés dela pisaram no gramado e o floriu como jamais o próprio solo o faria. Era divina sua luz, nada se comparava ao seu esplendor, não precisava se esforçar para cativar e isso lhe fazia naturalmente apaixonante.

Para si ela era como um diamante polido e mesmo assim uma fera habitava suas órbitas. Ela era fogo e mar, paraíso e inferno, perdição e salvação. Passou as mãos pelo rosto sentindo-se a beira da insanidade ao pensar como seria o sabor dos lábios tentadores, imaginava que fosse doce como a mais saborosa fruta. Se agachou no gramado, ainda de costas, e viu rosas abrindo e virou-se rápido sabendo o que significava.

- Minha bela!

Levantando para quase cair de joelhos a viu com os cabelos lambidos para trás ainda mais negros como a noite. O corpo pingava a água do lago e ele invejou os pingos que deslizavam por aquela delicada pele. Ela observava a barreira que não sabia existir e o homem sentiu que não respirava a tendo tão perto mesmo que não o visse. Sua mão tremeu para encostar a dela que de seu lado ficava apenas parada no ar e do lado dele estremecia a barreira fazendo ondas magnéticas. Ele tocou a mão dela pelo espelho e pôde ter a impressão de mais uma vez sentir o formigar de seu calor. Ela deu um passo para trás com uma expressão de susto e o próprio perdeu o contato viciante com um pouco dela. Um suspiro o deixou e seu coração pareceu bater junto com os pássaros levantando voo ali. Um sonho impossível de cumprir, a paixão adormecida, suas asas e também seu abismo.

Dever e esperançaOnde histórias criam vida. Descubra agora