Três Lagoas, MS
22 de fevereiro de 1970A noite caia densa, abafada, e intensamente luminosa pelos céus estrelados. Em uma fazenda, distante do centro da cidade, escondida entre a mata e tomada por lamparinas alaranjas após uma misteriosa queda de energia. O vento forte assobia ao longe, sons de animais emitidos pelo derredor, as folhas das árvores dançando no ar e galhos ricocheteando nas janelas trazendo um clima sombrio ao lugar. Tudo pareceria um cenário assombroso, não fosse aquela ser a noite em que mais uma vida decidiu nascer.
Na enorme cama de casal, do espaçoso quarto principal da fazenda, Fairte jogava mais uma vez sua cabeça para trás enquanto seu pescoço totalmente vermelho tinha as veias saltadas. Pressionava os lábios procurando abafar os gritos, as mãos apertavam o tecido do vestido em volta da barriga, os olhos se fechavam com força sempre que uma nova onda de contração estremecia todo seu corpo e a desmoronava em dor por dentro. Sentia-se rasgar, seu corpo parecia querer a romper para trazer aquela criança ao mundo. Os cabelos escuros e lisos estavam molhados da transpiração, fios grudavam em sua testa tomada de suor, seus músculos pareciam queimar e os ossos tremiam. Um lençol lhe cobria a cintura, suas pernas estavam abertas e escolhidas, os nós dos dedos do pé se contorciam sempre que o corpo a empurrava a beira de seus limites, a beira do quão poderia suportar a dor. Soltando uma respiração que segurava durante a contração infernal, abrindo os olhos já quase sem foco, tateando a cama em busca da mão de Ramez. Seu marido prontamente entrelaçou sua mão outra vez a dela, sentado ao seu lado na cama com olhos amedrontados e um meio sorriso de emoção, olhava para ela e logo para a parteira ao pé da cama que checava a dilatação e a chegada do bebê.
- Está vindo! - Informou, o olhar fixo abaixo dos lençóis, curvando-se para ajudar a puxar o bebê - Empurre! Inspire, respire e empurre com toda sua força - Incentivou, voltando rapidamente seus olhos a mãe que gemia em agonia.
- Eu não tenho mais forças... não consigo mais - A voz era estrangulada, os lábios pálidos e trêmulos, os olhos cheios de temor e lágrimas dolorosas.
- Você consegue, meu amor! Foi uma guerreira até aqui, você consegue trazer nosso bebê ao mundo - Beijou o dorso da mão dela, sentia que sua mão logo explodiria com o aperto feroz dela, seu coração se partia em ver o estado frágil de sua mulher - Só mais um pouquinho, seja forte só mais um pouco - Implorou, afastando os fios ensopados da testa dela, a olhando intensamente nos olhos.
- Vamos minha filha! Ajude a mamãe - Fairte suplicou, ofegante e vermelha, voltando a gritar e fazer força - P-por... favor - Falava fraca, todo o corpo falhando em mantê-la desperta, a fraqueza quase a dominando.
- Já vejo a cabeça! Continue, Fairte, vamos - A parteira tinha as mãos posicionadas para receber a criança que já começava a sair.
- Meu Deus! - A mulher chorou, puxando o ar com força, gemendo em dor - Vem... filha - Chamava o bebê, pedia aos céus internamente forças para trazê-la, a cabeça já pendia para os lados girando.
- Vamos minha Simone, vem conhecer seus pais - Ramez sussurrava, sem nunca largar a mão de sua esposa, os olhos cheios de expectativa direcionados para onde a parteira estava - Você está indo bem, meu amor! Nossa menina está vindo - Sorriu incerto para ela, a mulher apenas fechou os olhos e continuou a usar os resquícios de forças que lhe restava.
- Ela está vindo, está vindo! - A parteira declarou com entusiasmo em sua voz - Só mais um empurrão!
- Senhor, por favor! - A mulher fez sua prece, entre gemidos e choros, e sentiu toda a pele arder ao fazer força mais uma vez.
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Dever e esperança
FanfictionSimone Tebet é uma jovem recém formada e iniciando sua inevitável vida política. Em busca de adquirir conhecimentos políticos, sociais e morais a mesma se entrega de corpo e alma aos livros de diversos autores passados e enquanto sua mente a faz nav...