A Mansão de Espelhos (Parte I)

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A Lua cheia banhava a pequena vila Velha Cobras, na cidade de Malleus, no sul de Poener, um país estranhíssimo por sinal. O vento gélido soprava sobre a janela da casa da família Goldfarb, n°6. Uma família muito tradicional que odiava os assuntos sobrenaturais ou qualquer coisa relacionada. Segundo o Sr. Augusto Alighieri Goldfarb, um homem corpulento de olhos negros e cabelos grisalhos, acontecidos paranormais eram coisas da mera imaginação de seus três filhos. Já a Sra. Carmen Hermes Goldfarb, uma mulher alta esquelética de olhos verdes - com pés de galinha - e cabelos ruivos até a altura da cintura, sempre dizia que era uma fase, pois crianças acreditam em tudo que veem na televisão, mas odiava que tocassem no assunto. Não admitia, entretanto, o que sentia era medo.

– Não falem bobagem, crianças. Aquela ilha não tem nada de assombrado, o avô de vocês gosta é de contar histórias – dizia a Sra. Carmen, quando as crianças tocaram novamente na lenda da Ilha de Akaku’s que seu avô contou-lhes muito antes de vir a falecer.

– História pra boi dormir, isso sim – completava o Sr. Augusto. Eles riram, um riso muito convicto do que diziam.

As crianças entreolharam-se por alguns segundos. Não tinham achado a menor graça, era deprimente ouvir aquilo de seus pais. Após o ocorrido, partiram para o quarto sem questionar, intrigados mais do que nunca por aquela lenda. Puseram-se defronte à janela; um chuvisco começou a cair sobre a vila Velha Cobras. Longe, além de algumas árvores, avistaram o topo da enorme montanha Blue Moon. Era tão alta que parecia alcançar a Lua cheia. 

– Vocês acham que é verdade? Digo, acham que é verdade toda essa história que o vovô nos contava? – perguntou Anita Goldfarb, cuja voz era tão fina quanto o soar de um apito. Era a mais velha dos três, treze anos, e também a mais alta. Olhos castanho-claros, cabelo liso em corte chanel, pele branca de aparência aveludada e lábios rosados.   

Os meninos trocaram olhares frios. O irmão mais novo, Tonico Goldfarb, nove anos, ficou apenas olhando. Possuía a estatura baixa, pele corada, olhos e cabelos negros. Tinha uma voz um pouco fina e um olhar muito inocente, como se a pureza o rodeasse.

– Era só história para que dormíssemos! – acrescentou Jamesson Goldfarb, o irmão do meio, onze anos. Tinha olhos e cabelos negros assim como seu outro irmão. O olhar frio e uma voz rouca. Dizia ser o mais destemido entre eles.

Então, os irmãos Goldfarb ordenaram que Jamesson fosse até o baú da família, que ficava num canto mal-iluminado, ao lado da lareira cujas chamas estralavam naquela noite silenciosa, e pegasse o livro Portas Secretas & Cadeados. O menino, no entanto, esperou até que seus pais dormissem e, ágil, chegou até a lareira. Olhou em sua volta. Não havia sinal de ninguém acordado àquela hora, estava tudo muito sossegado. O vento uivou na janela, o barulho foi leve, mas, no silêncio aterrador da madrugada, pareceu um estrondo.

Jamesson soltou um grito ao virar-se. Naquele momento, um suor frio fez-se presente em seu corpo. Seu sangue gelou e passava por suas veias mais densamente. Sentiu sua espinha arder. O coração pulsava ligeiro. Ele arfou. Os olhos esbugalharam-se e, por fim, engoliu a seco. Sentiu como se alguém lhe seguisse, passando de parede em parede. O menino escondeu as retinas enquanto se virava, respirando fundo - uma respiração chiada. Em sua cabeça tentou imaginar coisas boas. Por fim, ao abrir os olhos, percebeu ser apenas sua sombra que a lareira fazia: Tá tudo bem... tudo bem!,repetia a si mesmo. Desejando sair dali o mais rápido possível, pegou o bendito livro e, desajeitado, retornou ao quarto. Era o livro de lendas antigas de seu avô...

A Mansão de Espelhos (Conto).Onde histórias criam vida. Descubra agora