A Mansão de Espelhos (Parte V)

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Tonico gemeu. Foi então que avistaram as janelas. Correram em direção a elas, mas, ao chegarem bem perto, se fecharam tão rapidamente que eles gritaram e percorreram escada acima.

Estavam no primeiro andar, num enorme salão empoeirado. Havia velas acesas para todos os lados. Nada tinha ali. Olharam para os quatro cantos, apenas o barulho de seus corações pulsando ligeiramente e da noite sombria era audível. Algo bem suave fez-se tocante minuto depois; era uma melodia. Tonico queria dizer algo, mas não conseguia, estava bastante assustado. Os olhos em lágrimas. Seu coração socava dentro de si como se fosse sair pela boca. Com seu dedinho indicador apontou para as costas de seus irmãos que lentamente se viraram.

Um piano, muito velho, no centro da sala estava sendo dedilhado por ninguém. O primogênito ficou estagnado com a situação. As retinas inertes. 

– O que está acontecendo? – perguntou a irmã, atemorizada.

– A mansão é realmente asso-ombrada?! – indagou Jamesson, agora não aparentava mais corajoso como antes.

– Eu estou com medo, Ani – grunhiu Tonico, mordendo seus dedinhos.

“Oras... Assustamos nossos primeiros convidados” disse uma voz fria. O som parecia sair de dentro dos espelhos que rodeava o interior da mansão. “Vocês estão com medo?!” ressaltou a voz, estridente e fria. Era uma voz masculina, sem dúvida. “O medo é capaz de fazer coisas horripilantes conosco” concluiu sussurrante.

As crianças, que estavam paradas no primeiro andar, perceberam que a música do piano aumentou velozmente.

– Que-em está a-aí? – perguntou o mais velho, quebrando o medo.

“Os Cosini, queridos”, debocharam em uníssono. Choro de criança foi audível pela mansão, um choro agonizante. Os Goldfarb tamparam seus ouvidos. Aquelas vozes moribundas fizeram com que suas cabeças latejassem de dor.

– Mas... vocês estão dentro dos espelhos. Não é possível. Lemos na...

“Lenda, garotos. Lenda! Não acredite em tudo que conta um velho e seboso livro. Nos livros só é escrito aquilo que querem que as pessoas acreditem. Nós somos ex-mortais, amaldiçoados a ficar dentro dos espelhos e nos territórios da mansão para todo o sempre. Somos a atmosfera da mansão.” Dito isso a voz calou-se. Os irmãos Goldfarb entreolharam-se; Jamesson engoliu a seco; Tonico sentiu algo quente escorrer por suas pernas trêmulas.

“Nossos espíritos não podem ser libertados desta maldita mansão, mas estamos sedentos por alma. Alma com dor. Estamos ébrios para que sangue inocente seja derramado”. Agora era uma voz feminina que falava. Tão ecoante quanto aflita.

– CORRAM! – berrou Anita a seus irmãos. Os três se dividiram e correram em disparado. Era tenebroso cruzar corredores adentro, visto que nos quatro cantos que eles olhavam viam-se pelos espelhos e se assustavam consigo mesmos.

Os Goldfarbs passavam pelo terceiro andar quando Tonico se perdeu. O pequenino olhava de um lado para o outro. Quanto mais atravessava os corredores mais o medo o tomava. Os olhos negros inocentes estavam amedrontados e lacrimejantes.

– ANITA! – bramou o pequeno, mais apavorado do que nunca. A música que saía do piano ainda era ouvida por toda a mansão. O vento entrava pelas dobradiças das inúmeras janelas. – JAMEEE! – O eco de sua voz assustava-o mais que o barulho da música. Ele retornou a correr.

Parou abruptamente quando avistou grandes portas de espelho. Era um enorme corredor. Tonico, muito rápido, percorreu de porta em porta procurando por uma saída. Suas mãozinhas já estavam ficando doloridas de tanto abrir as difíceis maçanetas, quando uma das portas lhe revelou uma enorme e aberta janela. Ele não pensou duas vezes e se apressou para pulá-la.

A janela e a porta fecharam-se num estrondo que fez com que Tonico caísse com muita força sobre o chão de espelho e arfar de dor - havia batido com as costas. O quarto ficou completamente às escuras. Foi então que, ao se levantar com dificuldade, Tonico sentiu um cheiro diferente e percebeu que sangue escorria de seu lombo. Começou a caminhar em passos sutis, tentou pegar em algo sólido, mas só conseguiu agarrar o nada. Suas perninhas, vacilantes, entrelaçaram-se em desespero. Ele ouviu um trincado muito ecoante sair abaixo de seus pés, porém, em seguida, o silêncio pairou sobre a mansão.

– ANITAAAAAAA – esperneou, tremendo incondicionalmente. – Anita! Estou aqui em cima – vociferou caminhando em passos mais longos.

"VAPO!"

A Mansão de Espelhos (Conto).Onde histórias criam vida. Descubra agora