Lyza
Gosto de escapadas à noite. Elas sempre deixam meu humor melhor. Mesmo que seja para ir ao outro lado da cidade e matar alguns homens sujos.
Nova Iorque sempre estava precisando de uma limpeza, essa era a verdade.
— Srta. Ferraro?
Não chego nem a pisar no segundo degrau da escada. Giro lentamente. Emma, a governanta, está parada no hall me encarando.
— Qual problema?
— O Sr. Ferraro a aguarda no escritório.
A expressão dela é contida e a mesma que vi por anos: "complacente e paciente". Mesmo que a idade já tenha começado a dar sinais. Os cabelos loiros tinham perdido a vitalidade, a pele clara já não era tão lisa, mas seus olhos não perderam a essência gentil.
Acho que Emma foi a única que um dia me tratou com gentileza naquela casa e não como a "herdeira em treinamento".
— Que surpresa...
Ironizo, descendo o degrau que havia subido. Eu não podia ignorar o chamado do meu pai. Ninguém ignorava. Além do mais, eu já tinha evitado ele demais durante aquela semana.
— Quer algo para comer? — Emma ofereceu. — Posso levar no seu quarto.
— Um chá seria ótimo... Não como mais a noite!
Emma era a única para quem eu daria alguma explicação. Eu gostava dela, sempre gostei, quase que como uma figura materna que não tive.
— Você perdeu peso, deve ser por isso. — ela constatou. — Eu vou preparar o chá como gosta e irei adicionar apenas alguns biscoitos de mel, me lembro que você adorava quando era criança.
Seu sorriso surgiu. Emma me dava biscoitos de mel sempre que pegava chorando. Não era frequente, pois desde de criança odiava chorar e parecer fraca, mas ela acabava vendo. Nunca disse uma palavra sobre isso a ninguém.
Acho que depois do treino pesado na academia naquela manhã eu podia me permitir alguns biscoitos.— Tudo bem, obrigada Emma...
Eu disse e ela sorriu. Então me virei, fazendo meu caminho até o escritório do meu pai.
Aquele espaço era um pequeno santuário de Vincent Ferraro. Meu pai passava mais tempo ali do que em qualquer outro lugar.
Quando eu era criança as vezes me esgueirava por ali. Tentava entender qual era a diversão de ficar o dia todo preso, no entanto, não via nenhuma. Só após muitos anos fui entender que a diversão não era o "lugar em si", mas o que representava... "poder". Era de lá que meu pai brincava com a vida de todos.
Cheguei na frente da grande porta escura de madeira nobre. Dei duas batidas e então empurrei a maçaneta.
Lá dentro, meus olhos foram direto para a mesa, que ficava no centro. Atrás dela há várias fileiras de livros. A sala era grande, com um bar bem abastecido e diversos sofás organizados.
Meu pai estava em um deles, com um livro na mão e um copo de uísque ao seu lado, apoiado no braço do sofá. Uma verdadeira imagem do lazer.
— Entre, sente-se!
Ele disse sem me olhar. Eu fechei a porta, fazendo exatamente o que meu pai queria. Normalmente ele dispensava formalidades quando estávamos sozinhos.
Quando me sentei diante dele, voltei a dar uma olhada ao redor, ainda buscando encontrar algo diferente.
Afinal fiquei seis malditos anos fora, mas tudo parecia igual. Até meu pai, com os cabelos escuros com contornos mais esbranquiçados e o rosto firme, sempre escondendo o que quer que divagasse.
Ele e o seu escritório podiam muito bem ter parado no tempo.
— Não sabia que gostava de ler histórias de um sujeito pessimista romântico. — eu disse, vendo a capa do livro.
— Às vezes a gente se surpreende pelo gosto das pessoas... — ele disse sem me olhar. — Sua mãe gostava de ler Lord Byron.
Aquela foi toda a explicação que ele me daria sobre a mamãe. Meu pai não falava dela, só soltava algumas poucas vezes, comentários como aquele. Eu interpretava como saudades, sempre achei que ele a amou, pelo menos do seu jeito.
— O que deseja falar comigo? — indago, diante do seu silêncio, apesar de saber exatamente o que ele quer.
— É inteligente demais para não saber. — ele folheia mais uma página. — E me evitou cirurgicamente durante esses dias, não pense que não percebi.
Tomei cuidado para me deixar ocupada em momentos que ele estaria livre. Realmente tratei isso de forma cirúrgica. Entretanto, foi apenas para ter alguma paz sobre esse assunto, pelo menos por alguns dias.
— Eu realmente tinha coisas para colocar em dia aqui! — falo, tranquilamente.
— Claro que tinha e milagrosamente sempre nos meus horários livres. — Ele fecha o livro, mantendo no seu colo, então me encara. — Qual seu objetivo escolhendo aquela menina para ser a "Sra. Ferraro"?
Eu devia ter pegado um uísque...
Aquela conversa seria uma chateação, nada fora do esperado, mas sinceramente cansativo.
— Ela é uma Mancini, isso por si só já deixa claro meu objetivo. O nosso objetivo!
— Lyza, não me irrite.
Os seus olhos se apertaram. Apesar da voz dele manter um tom calmo, era apenas uma máscara. Ele pegou seu uísque, bebendo, esperando por mim.
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Status Quo
RomanceSinopse: O submundo do crime está empolvoroso com a volta da herdeira mais famosa, como também, a mais cruel a cidade de Nova Iorque. É esperado que a herdeira assuma a cadeira de chefe. Mas não só isso, é esperado que ela tome alguém como esposa...