🌸 | PJM

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A Shijõ Dori era uma das ruas mais famosas e movimentadas de Quioto. Situada no centro da cidade, era o principal ponto de comércio, onde, também estava localizada a residência Jeon.

Assim que os portões de ferro se abriram, o Cullinan preto adentrou a propriedade suntuosa. O jardim frontal exibia estátuas de figuras do budismo e com a chegada da primavera, o verde monocromático da grama bem aparada ganhou cores distintas com espécies variadas de flores. Nakamura estacionou o veículo e eu segui pelo curto caminho de pedras em mosaico que dividiam em dois o lago artificial. Meu celular vibrou no bolso da calça, notificando-me de uma nova mensagem, entretanto deixei para visualizar quando estivesse em meu quarto.

Ao abrir a porta alta, meus olhos correram para o genkan¹. Um degrau abaixo do nível da entrada, havia apenas dois pares de surripas² e nenhum sapato social. Respirei aliviado. Meu pai não estava em casa, constatei ao fechar a porta atrás de mim. Substituí os coturnos pelas sandálias dispostas no carpete azul-marinho.

— Bem-vindo, querido!

A voz animada de Helena me recepcionou, como todas as vezes que retornava da escola. Virei-me e abri os braços para receber a mulher que vinha em minha direção. Descansei o queixo no topo de sua cabeça de cachos volumosos enquanto sentia o calor do seu carinho.

— Como foi seu dia, meu bem? — Ela fez menção de tirar minha mochila, no entanto a impedi por estar pesada.

— Foi… — girei o olhar pela decoração em preto e branco da sala de estar, que mantinha o mesmo padrão ns demais compartimentos, enquanto procurava por uma resposta que melhor definisse aquele dia. — Diferente. — Soou como uma pergunta.

— Que ótimo! — Desfez o abraço para me encarar. — Dias iguais não carregam emoção alguma — sorri de sua careta ao dizer isso.

— Que horas o meu pai volta? — Não era saudade, muito menos preocupação. Apenas queria saber a que horas eu deveria evitar descer do quarto para não correr o risco de me esbarrar com ele pelos corredores.

O sorriso de Helena encolheu-se ao passo que esfregava as palmas no avental.

— Seu pai ligou ainda a pouco e avisou que hoje não voltará para casa. Dormirá no escritório da empresa… de novo. — Ela tossiu. Uma mentira tão deslavada que lhe dava vergonha alheia. E em mim também.

Ri seco.

— No escritório, é? Ou na cama da sua secretária?

Seus olhos cor de mel me fitaram com atenção e em seguida afagou minha bochecha com sua mão cálida.

— Eu não queria que tivesse passado por tudo que passou.

Aquelas palavras carregavam um peso maior do que aparentavam. E somente uma pessoa como Helena, que trabalhava naquela jaula dourada desde antes do meu nascimento, poderia entender. Ela ajudou a minha mãe a me criar e depois assumiu esse papel sozinha quando Nami partiu. Sem obrigação alguma, Helena se esforçou ao máximo para salvar minha infância mediante a negligência do meu pai.

Quando cresci, Helena me contou sua história de vida e só então compreendi que o motivo dela ter permanecido naquela casa, aguentando,por anos, o racismo de Jeon Junko, fora inteiramente por mim.

Tínhamos algo em comum que fortalecia nosso laço: a dor do abandono paterno e mães magníficas.

Lúcia era uma adolescente de 16 anos com pais rígidos e violentos. Sedenta por liberdade, encontrou no japonês Yuki, que estava a passeio no Brasil, uma fuga — literalmente — para viver um conto de fadas em outro país. Ele tinha avós brasileiros e falava o português intermediário, somado às promessas de amor e um futuro melhor. Lúcia deixou tudo para trás e foi para o Japão ilegalmente. Em sua barriga, Helena crescia. Menos de dois meses percebeu que o conto de fadas não passava de um filme de terror e o homem que acreditava lhe amar era um monstro. Após vencer o orgulho, ligou para os pais em busca de ajuda, porém, eles a rejeitaram e cortaram contato total com a única filha.

Haru • jjk+pjmOnde histórias criam vida. Descubra agora