CAPÍTULO 4

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Kamil

— Shark? — Ele tossiu e disse o nome do amigo, me deixando completamente paralisado e triste por não ser o primeiro que chamou. Mas dada a situação, não fui reclamar. Com um segundo pigarrou disse: — Onde eu tô? Ouvi sua voz, não tô conseguindo enxergar ainda.

Que voz grave e suave, ao que parecia a sua traquéia não havia sido prejudicada. Graças, obrigada Deusa!

— Você tá na vila, num laboratório, recebeu tratamento de emergência. O que aconteceu? Por que foi envenenado? — O tubarão perguntou.

— Acho que engoli um pouco do que tinha na boca, veneno. — Tossiu forte e colocou a mão sobre o peito. — É veneno porque se toma,  toxina é injetável. Só pra saber. Onde você tá? Se aproxima, por favor, não vou te morder. — Fez uma pausa e quando eu ia abrir a boca para falar algo ele continuou: — E mordo, não pico, minhas pressa são fixas, preciso morder para injetar toxina. Desculpa tá falando tanto, eu sonhei que entrava num duelo com uma surucucu-pico-de-jaca, ainda tô com pavor do sonho, aqueles dentões me deram medo.

— Para quem quase perdeu até os dentes você tá bem tagarela. Como foi que se envenenou? — Shark não se aproximou dele, apenas perguntou.

— Minha boca tá bem, só como se eu tivesse queimado com sopa. Soltei uma naja e umas mambas no caminho, como meu veneno é pouquinho eu misturei com o das outras serpentes e… Acho que deu certo, né!? Onde está o Kamil? Ele está bem?

Ele não estava sentindo a minha presença?

— Mas sou eu te segurando. — Fiz bico. — Por que não está me sentindo?

— Hã? — Ele ergueu a mão e tocou meu rosto, explorando meus traços e tocando meus lábios inchados por causa do recente choro que tive. — Oi!? Você tá bem? Tô com os sentidos bagunçados ainda. Prazer em te conhecer.

— Prazer...

— O aconteceu? Deu certo? Nossa! Eu achei que ia morrer! — Ele tossiu de novo e piscou com força, ainda sem enxergar.

— Onde está o seu espírito? Por que ele não aceita o meu chamado? — Perguntei em preocupação, achando que fosse um efeito colateral dos venenos misturados.

— Tô meio grogue, me desculpa. — Miki se sentou de repente e continuou tocando o meu rosto em completo silêncio e depois pediu desculpas.

— Hakuna matata, mpenzi wangu. — Eu me coloquei entre as suas pernas e beijei a sua testa, o que fez o garoto se afastar para trás num susto repentino. — O que foi?

Ele se afastou como se eu fosse um estranho nojento.

— Não esperava ser beijado na testa. — Disse baixo. Olhei para sua marca tribal, sabendo que deveria ter um significado importante, senão não estaria ali. — Isso só se fazer entre companheiros do meu povo. — Miki soltou um riso fofo e voltou a tatear o meu corpo. — Eu sei o que é “Hakuna matata”. Vi no rei leão. Mas o que foi que disse depois?

Eu girei os olhos para o lado e esperei os três curiosos ali pararem de nos encarar. Um som de pigarro em couro soou no ambiente, o tubarão e as duas cobrinhas foram cuidar das próprias vidas, focando principalmente nos mangustos mortos.

Toxine LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora