Fang observava atentamente ao seu redor. As árvores altas e a vegetação densa tornavam sua camuflagem quase perfeita. O vento forte farfalhava as folhas no topo das copas e trazia consigo o prenúncio de chuva. As nuvens negras no céu se misturavam ao crepúsculo, dando início a mais uma implacável noite na úmida Floresta Setentrional.
- Já percorremos um caminho considerável hoje, está na hora de descansar – disse uma voz ao fundo, de repente.
O tigre se virou para encarar seu parceiro de caça.
- Eu estou bem, não se preocupe – ele respondeu em tom sério.
- Não, você não está. Seu corpo precisa de repouso, assim como o meu. - Rusth manteve a serenidade em seus olhos. Fang, por outro lado, mostrou-se incapaz de conter a frustração.
- Me recuso a terminar outro dia sem encontrar nenhuma presa.
Impassível, o lobo continuou em silêncio. Ele sabia que a retórica de seu amigo não havia terminado.
- Tudo tem sido tão difícil nos últimos tempos por conta desses malditos humanos – Fang fez questão de exibir uma expressão carrancuda. – Destruindo o equilíbrio em nossa floresta, nos obrigando a procurar por migalhas.
- As coisas não andam bem e com certeza não foi a vida que planejamos – Rusth concordou –, mas é o que temos por hora.
- Na verdade é o que não temos – o felino corrigiu -, pois ainda não conseguimos nossa comida para os próximos dias...
Fang parou de falar abruptamente. A quietude repentina foi notada por seu parceiro, que logo indagou em voz baixa.
- Você ouviu?
- Sim. Está a menos dez metros de nós – a resposta veio em um sussurro lento.
- Pelo som dos passos deve ser um javali – o lobo deduziu, com orelhas erguidas e olhos atentos à mata.
- Consegue se esgueirar para ter certeza?
Rusth tomou a dianteira e caminhou com extrema cautela para não denunciar sua localização à presa. Não precisou ir muito longe para identificar o alvo. Com um leve aceno, ele confirmou que se tratava de um javali.
- Feral ou selvagem?
- Inconclusivo. Ele está parado e de costas para nós. Não há como saber.
Fang então hesitou.
- E se for feral?
- Não vamos saber enquanto não atacarmos. – Rusth sabia o porquê da indecisão, mas, no atual cenário, eles precisariam arriscar.
- Vamos atacar, mas sem letalidade no primeiro golpe – Fang decidiu.
O lobo acenou rapidamente em concordância e voltou sua atenção para a presa. Assim, os dois partiram em disparada, com um indo mais à direita e o outro à esquerda. Quando o javali se deu conta, já não havia mais tempo de fugir. Fang o atingiu violentamente pelas costas, derrubando-o com extrema facilidade. Rusth não precisou intervir, tudo o que fez foi cessar a corrida e observar à distância.
- Socorro! Socorro! Alguém me ajude!!! – Gritou o javali, no ápice do desespero.
- É um feral – Fang constatou expressando repulsa.
- O quê, você também é um feral? E quer me comer? – Inquiriu o javali com descrença.
- Não, nunca – o tigre respondeu com evidente vergonha e saiu de cima da presa.
- Sentimos muito, pensávamos que era um selvagem - Rusth argumentou de forma atenuante. - Você estava parado e de costas, não tínhamos como saber.
O javali olhou atentamente para os dois predadores com grande revolta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Floresta Setentrional
FantasyEste livro integra a série As Crônicas de Zordium, mas pode ser lido de maneira independente. A província de Pandorn vive momentos de incerteza. Humanos e ferais - animais dotados de razão - estão próximos de iniciar uma guerra civil. Enquanto o reg...