Grief is a dangerous thing

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Aaliyah queria acordar. Queria desesperadamente acordar. Aquilo não poderia ser real.

Era um pesadelo, tinha que ser.

Ficou horas sentada no mesmo lugar naquela cozinha, repensando cada olhar, cada um dos sorrisos que Zara parecia dar só pra ela, que fazia seu mundo girar ao contrário.

As mesmas mãos que tocaram sua pele com tanta devoção estariam agora manchadas com o sangue de duas pessoas? Com o sangue de seu pai.

Até Zara aparecer, seu pai tinha sido a única pessoa que a amou na vida.

Sim, tinha amado Zara. Ainda amava e se odiava por isso. Amava a algoz de seu pai com cada fibra de seu ser.

Como Zara poderia ter fingindo aquele brilho no olhar destruía Aaliyah por dentro.

Nada de sua vida nunca foi de verdade. Seus amigos, os lugares que frequentava, seu noivado. E era excruciante a dor que lhe acometia ao pensar que Zara sabia se tudo aquilo, e escolheu ser mais uma farsa.

Aquele não era nem mesmo o nome dela...

Aaliyah era sempre usada, para diferentes propósitos. Se casaria com Ehsan trocada como uma mercadoria. E pelo quê? Dinheiro. Um pedaço de papel que valia mais do que sua própria vida, que sua própria felicidade.

E ela entendia. Ou se forçava a entender.

Sabia que a vida do pai não era como a dos outros homens, sabia que existiam riscos e não queria ser mais um "problema" para Asmar, odiaria se casar com Ehsan mas confiava no pai para eleger um homem minimamente bom para estar ao seu lado. Não tinha o que aceitar ou recusar, mas ela aceitou.

Temia perder o amor de seu pai. Era tudo o que tinha.

Aaliyah tinha noção da vida triste que a esperava e estava conformada. Afinal, nunca havia conhecido a felicidade.

Não até Zara.

Ali reconhecia a crueldade. Nunca tinha realmente amado, nunca tinha sido plenamente feliz. Zara Adid a entregou tudo o que mais havia sonhado em toda a sua vida, somente para que ela conhecesse as sensações, para então arrancar tudo dela, como quem arranca o coração de alguém com as próprias unhas.

Era esse o sentimento.

Zara havia arrancado seu coração com as próprias unhas e arrancado dela também quem havia feito aquele coração se sentir amado. Havia lhe tirado seu pai. Havia lhe tirado tudo, até a si mesma.

Aaliyah queria chorar, mas nem isso conseguia. Será que sua função nesse mundo seria ser usada e nada mais? Será que o destino ou mesmo o deus em que os pais a faziam crer desde criança não tinham nada mais que dor e sofrimento reservados a ela?

Os dias passaram assim. Cheios de perguntas e nenhuma resposta. Cinzas.

O retorno para o Kuwait foi silencioso. O que restou da família Amrohi seguiu no mesmo avião particular que levava os dois corpos.

Sua mãe, Khadija, a havia culpado por trazer para dentro de sua família a mulher que havia matado Asmar e Ehsan.

Naquela fatídica noite, ouviu calada e sem reação os gritos da mãe.

Khadija não se importava com nenhum dos dois corpos caídos naquela cozinha. Sempre fora gananciosa e quando chegou o tempo de ser arranjada a algum homem, disse ao seu pai que queria o mais rico que ele conhecesse. Não existia nada que lhe fizesse mais feliz do que o dinheiro, então era feliz com Asmar.

Mas continuaria sendo feliz após sua morte, com o império de petróleo que caiu em seu colo ao mesmo tempo que o corpo de seu marido ia ao solo.

Para Aaliyah, queria a mesma coisa. Que sua filha se esposasse com um milionário. Não para que ela tivesse conforto, mas sim, para que Khadija sentisse que havia cumprido seu propósito na terra: fortuna.

Enquanto cabia ao pai escolher um marido para Aaliyah, era Khadija quem fazia questão de escolher a dedo o círculo de amizades da filha.

Zara poderia ter se espantado com a receptividade de Khadija quando se conheceram, mas Aaliyah não. Qualquer pessoa que não passasse pelo crivo de sua mãe era instantaneamente esnobada.

Seu irmão, Hassan Amrohi, chegaria apenas na manhã do dia do casamento. Hassan era seu irmão mais velho, o preferido de sua mãe. Ele sim pôde ser moldado por Khadija sem oferecer resistência. Apesar da ganância, ele era gentil como o pai, mas nunca foi muito próximo de Aaliyah.

Hassan era sempre visto com a mãe, e Aaliyah, com o pai.

Depois que Hassan se casou, a relação com sua mãe era complicada. Khadija queria netos, o mais rápido possível.

Hassan também queria filhos, já havia algum tempo que ele estava casado com Amna e ela simplesmente não engravidava.

Khadija era categórica: "se livre dessa mulher, não importa como, e arrume outra, que sirva pelo menos para te dar herdeiros."

Mas Hassan a amava e tentava ser diplomático quando a mãe se impunha nesse assunto.

Quando chegou a Mallorca e descobriu o que tinha acontecido, Hassan ficou louco. Tomado pelo ódio, arrancou a arma de um dos seguranças da família e atirou em três deles pela incompetência em proteger o pai. E o que mais o deixava nervoso foi saber que o pai morreu pelas mãos de uma mulher. Uma mulher americana.

Era inconcebível que isso tivesse acontecido. Ninguém além dos Amrohi poderia saber daquilo, a honra de sua família estava em jogo.

Com Aaliyah, Hassan foi mais brando do que sua mãe. Para ele, Aaliyah sempre teve uma carência exagerada por atenção e deve ter se deslumbrado com uma amiga americana pobre que a bajulava e inflava seu ego a cada minuto.

Ele entendia que aquilo não era culpa da irmã. Ela só era... fraca. Uma vulnerabilidade a ser explorada pelos inimigos de sua família. Se não fossem os americanos, seriam outros.

(...)

A cerimônia de despedida de Asmar foi breve, mas demorou o suficiente para tirar Aaliyah do transe em que ela se encontrava.

O luto é uma coisa perigosa.

Nada doeu em Aaliyah mais do que ver seu pai sem vida enquanto o Imã realizava a prece dos mortos.

Ela foi acometida, enfim, pela realização de tudo o que havia acontecido. Dos beijos trocados com Zara, do som do seu próprio grito, do dia que se conheceram e o dia que não mais reconheceu a vida nos olhos de seu pai.

Hassan estava ao seu lado e viu o exato momento em que o semblante da irmã mudou.

Os olhos verdes, antes opacos, agora carregavam determinação.

- Que Zara Adid conheça a dor em vida e na morte. - Hassan falou baixo, perto de seu ouvido.

- Eu mesma me encarregarei disso.

- Do quê? - O irmão perguntou.

- Matá-la.











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Nota da autora:

Hey, eu sou a Camz, como estão? Teorias para os próximos capítulos? Comentem por aqui ;-)

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