Capítulo 6: Dandara

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A reunião na sala ficou um pouco angustiante. Enquanto Dona Rosângela retirava as panelas, pratos e talheres, nós ficávamos em profundo silêncio. Era como pisar em ovos. O medo de atiçar a raiva ou criar outra discussão sem sentido. Bruno havia ido para fora. Amanda perguntou pro Gael sobre isso. "Após a morte do irmão ele contraiu esse vício por cigarro. Acho que o que ocorreu com o Ivan lhe deu gatilho." Respondeu.

— Dandara. — Todos me olharam, como se eu tivesse cometido um crime. Não era o momento de falar sobre assuntos mais sérios. — Como está a vida aqui?

— .... — Soltou o ar que prendia nos pulmões. — A reconstrução ainda está caminhando lenta. Agradeço por ter nos dado o subsídio para reconstruir as casas, lojas e ruas.

— O natal e o ano novo na rua foram lindos, inclusive. — Gael sorriu para a amiga. — Não pensei que as pessoas iam aceitar com tanta facilidade.

— Os problemas deixaram a galera mais unida. Era necessário passarmos por esse novo momento. — Dandara respondeu. — Inclusive o campo de futebol que reformamos no Pinheiro. A final da taça das favelas será lá, sabiam?

— Algum dos times daqui chegou longe!? — Gael ficou animado. Ele acompanhava os jogos de futebol da favela.

Dandara balançou a cabeça. — O time do Conjunto Esperança chegou até as quartas, mas no máximo foi isso. — Ela apontou com o polegar, "disfarçada". — Alguém aqui perdeu mil reais apostando neles.

— Vai me lembrar disso de novo? — Rei ficou emburrado. — Eles iam pagar uma bolada se ganhassem aquele jogo.

— Eu te disse para parar enquanto estivesse bem...

— Desculpa. Mas o que ocorreu aqui? — Amanda perguntou para a gente.

Ficamos encarando, surpresos. "O que foi?" ela soltou envergonhada.

— Após Ivan matar Caleb, e depois ser incriminado por um ataque terrorista a B.M.O.E executou uma operação de execução a cabeça dele aqui na comunidade. — Comentei.

— Heliel, Barão, Liam. Se organizaram para destruir o reinado de Ivan aqui no Rio de Janeiro. — Gael acrescentou, ele encarou Amanda. — No final Heliel passou a perna em todos eles. Alcançou o poder máximo... — Gael tomou choque das palavras soltas, e balbuciou para terminá-las. — Quase... quase um deus.

— Precisamos da ajuda de vocês. — Olhei para Dandara, com certo desespero nos olhos. — Se eu preciso mesmo confiar em outras pessoas para parar Heliel. Vou precisar da ajuda dos dois. São os prodígios do Ivan.

— Recusamos. — Rei tomou as falas de Dandara.

— Rei! — Dandara aumentou o tom. Ficou emburrada com a frieza do amado.

— Prometemos que não iríamos nos meter mais em perigo. — Ele a encarou. — Por seu pai, e pelo nosso amigo.

Dandara ficou sem ter o que dizer. Ela ficou reclusa, ainda que quisesse prestar algum apoio. "Eles estão com medo. Não devo forçá-los a isso." Me sentia culpada de ter ido até lá. Haviam passado por maus bocados até o momento. Era compreensível me rejeitarem.

— Me desculpem, nós precisamos ir. Não queria colocá-los nessa situação. Peço perdão. — Olhei para minha equipe. — Vamos embora. Precisamos pensar numa forma de...

Todos se levantaram e acenaram para dona Rosângela. Agradeceram pela comida e pela hospitalidade daquela senhora tão carinhosa. Gael lhe deu um abraço apertado, como o de um filho a uma mãe. Bati no ombro de Bruno, e nos olhamos de canto. — Vamos. — O chamei.

Ele amassou o gimbo do cigarro na mão, chateado com o amigo. Não havia nada que pudesse ser feito. Caminhamos pela rua abatidos.

— EU VOU! — Um grito no fim da rua.

Surpresa, olhei para trás. Foi o grito de socorro de Dandara que nos chamou. A menina caiu em choro após gritar. Limpava os olhos. Parecia que haviam se formado rios de lágrimas em seus olhos.

— Eu não aguento mais! — Ela soluçava. — EU NÃO AGUENTO MAIS FINGIR QUE ESTÁ TUDO BEM! — Berrou.

Corri para abraçá-la, e com reciprocidade ela devolveu o agarrão dos braços. Ela deitou a cabeça sob meu peito e repousou a angústia do silêncio. Rei ficou sem chão. Ele imaginou que havia conseguido salvá-la da tortura que foi a morte de Ivan, mas era mentira. Eu mais que ninguém sabia, que essa dor no peito não sumia.

— Sem vinganças. Heliel precisa pagar pelo que fez. A todos que morreram aqui. — Dandara olhou para Rei.

Ela estendeu a mão ao amado, como se o pedisse para que viesse junto conosco. Rei bofeteou a mão dela. O olhar dele era decrépito e entristecido, com um certo nível de raiva banhado nas íris escuras. Ele tinha raiva de mim, por ter ido até lá e pedir a sua amada para que viesse conosco.

— Eu não vou pedir para que fique, mas se é esse o seu desejo, tanto quanto o do Bruno. — Olhou para o velho amigo. — Peço para que não voltem mais...

— Rei! Calma! Conversa comigo! — Dandara tentou tocá-lo, mas era tarde demais.

Nas sombras, o mago desapareceu. Fugiu como o drácula para sua cova de repouso. Onde ele estaria? Não sabemos, mas provavelmente vigiando a favela. Deu para sentir a angústia surgir no peito de Dandara. Não havia voltas em nossas escolhas, tudo que ela poderia fazer agora é ir em frente naquilo que acreditava.

— Que termino de namoro mais broxa. — Sasha comentou.

— Sasha! — Amanda gritou ao amigo, envergonhada.

— Ele está certo. — Dandara riu. — Mas num mundo que Heliel exista, a vida de Rei sempre vai estar em perigo. Prefiro nunca o ter, do que perdê-lo.

— Então... Qual o próximo passo? Ir até Brasília? — Gael me olhou, aguardando de mim a resposta.

— Não. — Dandara respondeu. Ela encarou o fundo dos meus olhos. — Você tentou se isolar e proteger tudo do seu jeito. Que nem seu irmão fez, não foi?

Apenas balancei a cabeça, e assumi a crítica.

— Sugiro criarmos apoio das massas. Criar uma revolução junto a outros magos e não magos. — Ela olhou aos outros. — Vocês fingiram ser os mais capacitados para proteger um país por muito tempo. Não dá para mudar o país com um grupo de "escolhidos" — gesticulou as aspas com as mãos.

— Tsc! Começou a babaquice esquerdista. — Ezequiel reclamou.

— Para com essa merda Ezequiel. — Amanda rebateu. — Nunca leu um livro e fica falando merda.

— ... — Ezequiel ficou calado, mas sem concordar ainda.

— Podemos levar pessoas inocentes à morte assim Dandara.

— Ivan tentou evitar que muita gente se envolvesse na defesa de um lugar. Do nosso lugar. Se ele tivesse se permitido ser auxiliado, poderia ter salvado mais do que fez. — Olhou para a mão. — Se tivesse me deixado ajudar, poderia estar vivo...

— Então como vamos fazer isso? — A perguntei.

— Vamos falar com os magos que tem na favela. O Ivan formou alguns aqui. — Dandara respondeu. — Dá também para buscar os que são alunos das faculdades.

Criar uma revolução... A ideia não me parecia apetitosa. Na real, parecia que colocaríamos mais pessoas para morrer junto a uma causa. Mas se fosse do desejo deles... se os libertassem da injustiça feita por Heliel.

Era uma forma de tentar. 

DEUSES DE SANGUE - VOLUME 2Onde histórias criam vida. Descubra agora