Rio de Janeiro, 4 dias após a guerra.
— A última vez que vim aqui, foi para ver o túmulo de meu falecido irmão. — Henrique estava ao meu lado, e assistia a cena junto comigo. — Não imaginei voltar aqui tão cedo.
Estávamos no cemitério do Caju. Acompanhando o enterro de mais de quinhentas vítimas da operação militar no Complexo da Maré. Eram pessoas que eu não consegui salvar. Vítimas dos ataques de Lian e Heliel. Vidas ceifadas que não voltariam.
As mães destes filhos sucumbidos permaneciam vivas. Pelo milagre de Deus. Contudo, o som que expressavam remetia a intensa agonia. Os gritos. Berros. Lamúrias de ardor. Remetiam a sons mais agonizantes que os urros dos Slaafs. Era aterrorizante ouvi-los, e pior ainda, perceber que não havia nada a ser feito.
Os caixões postos nas gavetas eram colocados com lerdeza e dor. Alguns colocados pelos próprios familiares. Uns tinham os corpos, e outros apenas alguns pedaços de membros. Alguns caixões estavam vazios. Foram maridos, esposas, mães, avós e filhos, que viram alguém da família ser morto ou comido.
Era pior que estar no inferno.
Os corpos que haviam sido mortos na chacina do Parque União também estavam lá.
— Vamos para minha casa. — Henrique me chamou. — A gente não pode fazer mais nada por eles.
— Podemos assistir. — Não movi o corpo. — São pessoas que eu não consegui proteger. O mínimo que posso fazer é não fugir.
— Não foi culpa sua, Roma. — Ele me segurou no ombro. — A gente vai fazer justiça contra o filho da puta do Heliel, mas não tem como trazer as pessoas de volta à vida.
— Eu sei Henrique, mas matar o Heliel também não vai trazer ninguém à vida.
Uma mulher ouviu minha voz, e olhou para mim. O rosto dela era desgostoso. Tinha raiva entranhado nas rugas. Os olhos estavam sujos de choro, mas tinham virilidade para o ódio. — Você! — Apontou para mim enquanto gritou. — Você deixou meu filho morrer! Sua protetora de merda! Era para você estar naquele caixão!
Ela começou a caminhar em minha direção. Não tive outra escolha a não ser ir de encontro.
— Roma, não! — Henrique tentou me impedir, mas sem sucesso.
Caminhei em direção a ela, pronta para sentir qualquer represália. Quando estava próxima a mim, a mulher ergueu o punho. Todas as pessoas começaram a acompanhar a cena. O braço dela começou a tremer, mas os dedos contraiam a mão. O soco que ela me deu foi fraco, mas doeu em meu coração.
— Devolve o meu filho pelo amor de Deus... — A mãe desabou em choro no meu peito.
Nos abraçamos enquanto ela deslizava o corpo até o chão. Era pior que a indignação. A dor de não ter conseguido salvar uma vida. Eu me senti patética, e fraca.
As pessoas começaram a ficar ao nosso redor. — Solta ela, Márcia. — O marido da moça a chamou. Ele pegou a esposa e a ajudou a ficar de pé. — Obrigado... — Mesmo triste, o homem me agradeceu. — Vocês protegeram minha netinha. — A menina estava agarrada a perna dele. — Ela era a coisa mais importante do mundo pro meu filho.
Eu e a menina nos encaramos. — Me desculpa por não ter conseguido proteger a todos.
"Era isso?" O peso de sentir—se uma inútil. Era esse o peso carregado pelo símbolo da paz. Caleb nunca havia reclamado das mortes ocorridas no Rio de Janeiro, mas uma vez... Peguei chorando no banheiro após uma operação. As mortes pesam em nossas costas, mesmo que não queiramos.
— Todos aqui presentes. Eu sei que desculpas não trará ninguém de volta. — Abaixei os olhos, enquanto um caixão preto era carregado. — Todos nós perdemos algum familiar. Inclusive eu... — Aquele era o caixão de Ivan.
— Não precisamos de discurso, Roma. — Rei apareceu atrás dos carregadores. — Eles viram o que fizemos para proteger a cidade.
— Heliel. — Bruno surgiu do meu lado. — Ele foi o culpado por tudo isso. Junto com o chefe da polícia.
— Agora não é hora. — Os alertei. — As pessoas aqui não precisam de mais raiva. — Caminhei até o túmulo de Ivan. — Sofremos o luto hoje. Logo mais, pensaremos na justiça.
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DEUSES DE SANGUE - VOLUME 2
FantasyLivro final da duologia Deuses de Sangue. Após a vitória de Heliel, Roma se tornou a maga mais poderosa do Rio de Janeiro. O título, contudo, veio com um gosto amargo da morte de milhares de inocentes durante a operação ao Complexo da Maré. Agora R...