17 - Part of the family

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Se eu tivesse a capacidade de furar o chão do meu quarto, eu certamente já teria feito. 

Depois de andar de um lado para o outro ao ponto da Sabina ter que me interromper porque estava dando tontura nela, a campainha finalmente toca revelando uma tia Úrsula apressada. A loira de olhos azuis iguais aos do filho, me entrega duas enormes sacolas brancas, nas quais Sabi quase tem um treco após ler o nome da marca. 

Subimos as escadarias correndo enquanto meu pai bancava o social com Úrsula e Ron. Sabina tinha apenas vinte minutos para me aprontar, isso se a tia Amélia chegar mais cedo com a desculpa de não aguentar de "saudades" dos sobrinhos que ela não vê há... quanto tempo mesmo? Uns três anos?

Me sento na cama e, ao mesmo tempo em que a mexicana faz um penteado em meus cabelos, ela xinga o Joshua de todos os palavrões existentes no planeta.

- Puta madre! Este hijo de puta te compra um vestido da Saint Laurent e um sapato da mesma coleção! Vai te foder! Eu daria a minha vida e todas as minhas encarnações depois para ter um sapato desses! Ele é um filho da...

Reviro os olhos pelo seu monólogo infinito.

- Sabina! Quando esse jantar acabar eu dou as coisas pra você! Não uso nada desses produtos de marca mesmo!

Ganhei um puxão de cabelo como resposta. '

- Díos Mio! Nem pensar Gabrielly, você merece todas essas coisas lindas e belíssimas que eu facilmente trocaria o meu futuro marido por elas, mas... este pendejo deu pra você! E não acredito no que estou dizendo, porém se eu fosse ele, não gostaria que você devolvesse um presente meu.

Desço os olhos para as minhas unhas recém feitas e concordo. Sabi está certa. O Josh ficou a tarde toda perambulando pelo shopping, analisando cada peça de roupa e imaginando como ficaria em mim, além de ter gastado uma fortuna que se eu soubesse o preço de tudo, passaria a vida toda tentando quitar esse valor.

A única coisa que posso fazer agora é agradecê-lo. Se não fosse pela sua ajuda eu estaria atolada de coisa pra fazer, já que eu tenho dois homens super úteis em casa. A verdade é que eu me sinto estranha, eu estou estranha na verdade. Tenta falar para uma pessoa que aprendeu na marra cuidar da família destruída, a economizar por causa das despesas e dos impostos, a ensinar o seu irmão mais velho a estudar para as provas e a controlar o seu pai bêbado após o falecimento da esposa. 

Eu nunca quis essa vida pra mim, e jamais deixaria uma menininha de nove anos abrir mão da sua infância para juntar os caquinhos da sua família de duas pessoas. 

E eu precisava fazer isso, precisava ajudar meu pai e o meu irmão, pela mamãe eu tinha que restruturar as pessoas que eu mais amava no mundo... e com isso, com tanta responsabilidade, tantas preocupações, eu deixei de viver a minha vida, de ir a festas, de ir a bailes da escola, de quebrar a cara com garotos, de fazer amigos, de ter experiências... fazia anos que eu construí a minha barreira interior justamente para poder ser forte pela minha família, para eles poderem se apoiar em mim quando tudo parecer arruinado. 

Então me tornei amarga, durona, sem graça, irritada, agressiva... me tornei uma pessoa que eu não estava destinada a ser, e céus, eu sabia disso. Toda essa raiva e essa sensação de "faltar algo dentro de mim", só provam o que o meu coração gritava até esgotar a voz. 

Eu não sou assim.

Eu não quero ser assim.

Sabi e Jojo aguentaram firme sendo as minhas únicas amigas durante anos, mesmo eu me recusando para sair com elas, mesmo eu não tendo tempo para nada, mesmo elas discutindo comigo sobre aliviar a barra e deixar que meu pai e meu irmão tomem conta de si mesmos, mas... deixar eles, tirar essa responsabilidade sufocante das minhas costas, significava abandonar a minha mãe, abandonar a família que ela queria construir e eu... não podia suportar mais essa dor.

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