Mas talvez ela estivesse conseguindo. Eu jamais confessaria.
Durante todos os dias daquele recesso, passamos noventa por cento das tardes juntas, estudando todas as matérias da nossa grade. Mas o que nos motivava a fazer isso todos os dias era, com certeza, as pausas de uma horinha que fazíamos toda vez. Pausas que me foram suficientes para conhecê-la bem melhor e descobrir que atrás daquela pessoa que vive uma vida de faz de contras para os outros, existe uma menina engraçada e que ri de absolutamente qualquer coisa que eu falo.
Já era quase de noite quando terminamos de estudar física, e pela primeira vez na minha vida, eu realmente tinha entendido uma matéria. Eu tinha feito esforços para entender e solucionar algumas questões, acertando a maioria. Mas Rosé não me daria uma estrelinha dourada por isso.
— Tá vendo? Você é muito inteligente, pega as matérias com facilidade. Só precisa de um pouquinho se esforço. Tenho certeza que se continuar nesse ritmo, vai passar o ano todo acima da média e ainda por cima vai conseguir passar para alguma faculdade boa — ela falou e eu bufei — O quê? Não quer fazer faculdade?
— Não sei — Me deitei no chão de barriga para cima, encarando o teto.
Há uns dias, meu pai tinha permitido que minha tia me liberasse um valor x para eu comprar algumas coisas que eu quisesse para decorar meu quarto. Não foi muita grana, então me limitei em comprar algumas coisas baratinhas, como essas estrelas que a gente cola no teto e que brilham no escuro. Comprei também alguns pôsteres novos e umas miniaturas para enfeitar minha cômoda – e único móvel que eu tinha naquele quarto. Minha tia ainda estava me providenciando uma cama.
— Você não sabe o que fazer ou não sabe se quer fazer? — perguntou ao se deitar ao meu lado, também encarando as estrelinhas.
— Os dois. Eu não acho que me daria bem em qualquer coisa. Não sei se me encaixo.
— Você não se encaixa ou você não quer se encaixar?
Fiquei em silêncio e virei o rosto para olhá-la. Ela fez o mesmo, e nossos narizes ficaram estupidamente próximos.
— Eu quero fazer jornalismo — ela me confessou baixinho.
— Combina com você — sorri e Rosé assentiu — O sonho do meu pai é que eu siga a área da engenharia, como ele.
— Você é horrível em matemática! — exclamou alto, me assustando, e começou a rir sem parar da minha reação impagável.
— Obrigada pela parte que me toca! — zombei.
Rosé se levantou e começou a guardar suas coisas de volta em sua mochila, dando sinais que já estava de saída. Eu olhei para o céu lá fora e lamentei por já estar tarde. Eu gostava de ficar com ela. Sem sua companhia todas as tardes, meu recesso teria sido extremamente solitário e monótono.
— Você já vai? Eu ia te chamar pra assistir Ponyo comigo — falei meio cabisbaixa ao me sentar no chão.
— Ponyo? — Franziu o cenho ao perguntar e sorriu.
— Ponyo: Uma Amizade que Veio do mar. É meu filme favorito da vida. É sobre uma peixinha dourada que vira gente e faz um melhor amigo humano — resumi rapidamente.
Mas o filme era muito mais que isso. Uma verdadeira obra de arte. Rosé riu e balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Eu prometo que assisto Ponyo com você num outro dia, tá? Hoje real não vai dar. Já vai dar sete e meia, eu vou sair com o Yunho daqui a pouco, tenho que me arrumar.
Yunho. Às vezes eu até esquecia que existia esse indivíduo. E principalmente esquecia que ele era namorado da Rosé. Ela não costumava falar muito sobre ele, e talvez fosse para não surgir, em meio aos nossos assuntos, muitas perguntas sobre A Grande Mentira. Senti meu estômago embrulhar e meu peito deu uma pontada. Eu tinha certeza que minha cara estava, de repente, fechada. Mas eu não podia fazer e nem falar nada. Nem fazia sentido eu estar daquele jeito, sentindo aquilo. Ela tem namorado, ela tem a vida dela. E a vida dela não se resume em passar todas as tardes do seu dia estudando com alguém só porque a tia desse alguém implorou.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Chaelisa • A falsa realidade de Roseanne Park.
RomanceAté onde a busca por aprovação alheia pode levar alguém?