𝐋𝐚𝐝𝐲𝐟𝐢𝐧𝐠𝐞𝐫𝐬 𝟏/𝟑

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Você sempre esteve sozinha, sempre se sentiu sozinha.

Seus pais eram distantes e nunca emitiram um raio de calor ou afeto genuíno; seus irmãos eram desagradavelmente gélidos, lançando olhares reprovadores e você constantemente recebia tratamento de silêncio a qualquer mínimo erro que cometia, como se fosse uma transgressão grave contra a moral pública.

Você passou grande parte de sua juventude faminta por qualquer migalha de atenção ou carinho, e essas migalhas eram como desertos inexplorados em sua vida de clima árido. Não havia generosidade afetuosa, nenhum oásis de afeto que viesse de qualquer canto, e você era deixada para definhar em uma solidão devastadora, quando nada disso vinha de nenhum lugar de onde você estava, não vinha de ninguém.

Durante o colégio, suas tentativas de forjar amizades pareciam condenadas ao fracasso, resultando em relações que, longe de nutrir sua alma, só corroíam você ainda mais. Era quase uma proeza impossível manter alguma forma de relação interpessoal àquela altura.

Você achou que se falasse ou tentasse se envolver mais, finalmente as pessoas enxergariam a sua existência, mas, ironicamente, isso só te afastou ainda mais de si mesma, foi quase como uma falha antes mesmo da execução.

Durante a faculdade, quando você precisava conversar e conhecer pessoas, manter contatos - a simples tarefa de tentar alguma relação havia se tornado dolorosamente árdua; cada interação era como escalar uma montanha íngreme de ansiedade constante sem nenhuma preparação, deixando-a exausta.

No pub, aquela noite, a atmosfera estava impregnada de melodias tortuosas emanadas por Big Mike & The Booty Papas tocando no som ambiente, com o saxofone solitário e a guitarra chorosa perfurando sua alma a cada nota. Era um happy hour com os colegas do seu antigo trabalho, mas você se encontrava alheia, como uma intrusa em seu próprio mundo. Era torturante. Seu único motivo para se manter ali por mais de algumas horas era a promoção de um colega, que você se esforçou muito para fingir acreditar na intenção dele de convidar você por algo que não fosse por mera educação.

Você mantinha um sorriso de canto de boca, soltando um suspiro quase inaudível pelo nariz quando a conversa vagamente passava perto de você, mas nunca realmente era com você. Havia muito tempo que tentava capturar a atenção, mas as palavras pareciam evaporar no ar antes mesmo de serem pronunciadas. Em momentos em que as conversas alheias ficavam mais altas e animadas, você virava a cabeça na direção das pessoas, como se buscasse ser engolida pela onda de entusiasmo, mas logo voltava o olhar para o próprio colo quando percebia que sua presença era ignorada, tornando-se um peso morto dentro do próprio corpo.

Você estava resistindo à tentação de simplesmente se levantar e ir embora para casa, para seu celular ou seus nós irregulares de tricô e seu gato laranja caolho que tinha o trabalho de desfiar tudo com as unhas.

Inúmeras vezes, você se encontrou deitada no tapete da sua sala ou encolhida no chão de ladrilhos do banheiro, em agonia, desmoronando e quebrando-se em mil fragmentos repetidas vezes durante muitos anos.

A solidão era uma companhia constante e era apenas um estranho indesejado desde que você se entendia por si mesma, mas agora era uma sombra pesada que se abateu sobre sua vida na fase adulta - solitude não fazia parte do seu quinhão de sentimentos até aquela idade.

Você nunca teve ninguém. E só precisou de carinho e um abraço. Você nunca teve isso.

Ninguém estava lá. Ninguém nunca esteve.

Você tentou incansavelmente cultivar e cativar o amor-próprio como se fosse uma rosa vermelha e delicada, mas esse sentimento parecia ter murchado e se perdido no deserto emocional que permeava a sua existência; e a sua fé nesse sentimento havia se desvanecido.

𝐎𝐧𝐞 𝐒𝐡𝐨𝐭𝐬 𝐰𝐢𝐭𝐡 𝐆𝐡𝐨𝐬𝐭Onde histórias criam vida. Descubra agora