Capítulo 5

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Olho pelo vidro animada feito criança. Por mais louco que esse sonho seja, ainda é o melhor de todos os que já tive. Estou dando uma volta de carro por Seul.

— Por que não colocou o cinto? — pergunta, com o olhar focado no trânsito.

— Imagino que não seja necessário, nem sabemos se estou mesmo aqui — respondo dando de ombros.

Ji Hoon freia bruscamente e meu corpo é arremessado em direção ao painel do carro, mas antes que bata contra ele, o braço de Ji Hoon me pressiona de encontro ao banco.

O encaro assustada e ao mesmo tempo, tentando conter o riso. Ji Hoon não sorri, em vez disso, me olha assustado por alguns segundos.

— Será que se eu morrer aqui, morro de verdade? — brinco, tentando tranquilizá-lo.

— Irônico fazer piada com morte, quando perdeu os pais — diz ele, encostando o carro em uma rua estreita.

— Pois é, tenho que fazer piada, se decidir levar minha vida a sério, acho que... — não termino a frase, não consigo.

Sinto medo de articular a frase e acabar atraindo.

Ji Hoon encosta a cabeça ao banco e fecha os olhos. Vejo seu peito subir e descer lentamente, enquanto ele tenta controlar sua respiração.

— Não freou de propósito, para me assustar? — questiono, ainda observando-o.

— Não, um carro passou no sinal vermelho — explica, sem abrir os olhos.

— Você se assustou... — deduzo, desviando a atenção para o lugar a nossa volta.

O silêncio paira no carro. Me sinto desconfortável.

— Nem sabemos o que está acontecendo, se estou mesmo aqui, por isso não pensei em colocar o cinto — justifico, não suportando essa quietude. — As coisas estão bem confusas...

— Eu sei, não foi culpa sua. É só que... essa loucura toda está acontecendo de verdade? — Ji Hoon abre os olhos e olha ao redor, exasperado. — Se pensarmos nisso racionalmente, não faz sentido.

— Não, não faz.

Ele solta um suspiro sonoro.

— Não sei para onde te levar. Não podemos ir para minha casa, moro com dois amigos. Seria estranho se me ouvissem conversando sozinho. — Ji Hoon evita me olhar.

Esse parece ser aquele momento em que nos damos conta da realidade. Estou aparecendo para um cara que não conheço, misteriosamente. Não tem explicação para isso. Mesmo minhas pesquisas na internet não me deram respostas.

— Acha que estamos alucinando? Quer dizer, não sei se é possível acontecer dessa forma, mas sabe... não tem uma explicação.

— Eu também não sei... de nada. — Ele se vira para mim. — Acredita em coisas sobrenaturais?

— Tipo fantasmas, espíritos? Não, não mesmo. E você?

— Não, não desse tipo.

Penso por alguns segundos, antes de me virar para encará-lo também.

— O que acontece com você quando não estou aqui? Você se lembra de ter me visto? Ou vê outras pessoas?

— Minha vida é normal quando não aparece para mim. Não sou um maluco que vê aparições o tempo todo.

— Então continuamos na mesma — murmuro, mordendo o lábio inferior.

Ji Hoon pensa por alguns instantes, antes de me encarar de novo.

— Escute, Luna, tenho medo de ficar revirando isso, buscando respostas e acabar descobrindo algo assustador. Vamos só deixar acontecer, acredito que uma hora, sem que precisemos fazer nada, vai passar.

— Está tudo bem para você, continuar me vendo? Sem entender a razão?

— Ah, não está tudo bem, mas não quero piorar as coisas.

Ji Hoon não quer encarar os fatos, essa é a verdade. Para mim, tem que fazer sentido. Não consigo ignorar e seguir em frente sem entender, mas ele parece tão apavorado cada vez que apareço, por isso não posso insistir em defender o meu ponto.

— E o que vamos fazer, sempre que eu aparecer?

— Precisamos fazer algo? — Seus olhos angulosos me encaram, esperando uma resposta, que eu não tenho. — Quer dar uma volta?

— Claro, por que não? — Sorrio, ignorando a inquietação dentro de mim.

Ji Hoon sorri e volta a ligar o carro.

Enquanto deslizamos pelas ruas tão desconhecidas para mim, começo a sentir uma leveza estranha, mas boa. O peso, a confusão e o medo parecem ir embora.

Olho para Ji Hoon, que parece mais relaxado ao meu lado, pode estar fingindo calma, mas não vejo tremor em suas mãos, firmes ao volante, nem a respiração acelerada.

Sorrio comigo mesma, talvez ele tenha razão. Deixar as coisas acontecerem, uma hora a resposta vem. Posso aproveitar esses momentos, sem transformá-los em momentos de dor, peso ou qualquer um dos sentimentos ruins que rodeiam a minha vida real.

Vida real, isso ainda me assusta um pouco, mas posso ignorar o medo e desfrutar do passeio e da companhia.

Ah, droga!

A náusea, a visão ficando turva e me impedindo de ver as construções em estilo tradicional coreano.

Não aviso Ji Hoon, só os sons ficando cada vez mais abafados e distantes. O barulho das ondas e a sensação de emergir.

Quando minha visão volta ao normal, percebo que estou de novo no meu quarto. Pela luz da janela, noto que já amanheceu. Pego o celular e quase pulo da cadeira ao ver a hora.

Tenho trinta minutos para ficar pronta e chegar no trabalho, mas só o percurso até lá, leva uns quarenta minutos.

Me levanto, mas antes de ir tomar banho, encaro a tela do computador. Consegui terminar o texto idiota, posso modificar o final quando estiver almoçando.

Movida pela raiva, rasgo as folhas, jogando-as no lixo. Quando fecho o arquivo, as páginas que abri enquanto comia, saltam na minha frente. São as pesquisas que fiz, tentando entender esses "sonhos" que estou tendo.

Cheguei à conclusão de posso estar buscando uma fuga da realidade. O meu único medo, é gostar mais da mentira criada na minha cabeça do que da minha vida. Não seria difícil isso acontecer.

Minha mente está um turbilhão, ao mesmo tempo em que não quero ficar presa à uma ilusão, não vejo a hora de acontecer de novo, só para ter essa sensação de liberdade.

Acho que a noite de hoje será inevitável, porque com o meu atraso, Liliane vai tornar o eu dia bem difícil.

Só nos meus Sonhos - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora