Capítulo 1

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É silencioso e calmo, também fedido, sujo e desconfortável. Tudo bem que, almoçar no banheiro pequeno da lojinha de variedades, não é para ser higiênico ou confortável. Eu até gosto de ficar aqui sozinha, meu cantinho de paz, meu maior desafio é sair e enfrentar a realidade do trabalho mais exaustivo que já tive na vida, no auge dos meus recém-completados, vinte anos.

Sou caixa e faz tudo em uma loja de variedades, vendemos todo o tipo de coisa, desde brinquedos à cosméticos e o lugar é uma bagunça. Além disso, não podemos sentar, exceto no horário de almoço, logo, eu passo oito horas por dia em pé, durante seis dias da semana. As pernas doem o tempo inteiro, as costas, os pés... como eu disse antes, no auge dos meus vinte.

Voltando ao trabalho, o emprego não é ruim, trabalho numa lojinha bonitinha até e vejo pessoas pra lá e pra cá o tempo inteiro. Claro que meu corpo pede socorro antes mesmo de o dia acabar. O grande problema, são minhas colegas de trabalho. Sempre tive dificuldades para fazer amizade com mulheres e nunca entendi o porquê.

Detesto essa coisa de rivalidade feminina, mas é real.

Somos oito mulheres e das sete, só duas falam comigo, as outras cinco, ignoram até o meu "bom dia". Minha gerente reclama a maior parte do tempo, dizendo que sou sonsa e não faço nada, quando na verdade, sou eu quem faço tudo. Corro de um lado para o outro feito doida, alternando entre atender no caixa e limpar as sessões. Varro o chão, tiro o lixo e atendo no caixa o dia inteiro sozinha, só quando começam a formar filas, Simone, minha companheira de caixa, faz a sua parte. Reclamando também, que sou lerda demais.

Inventam altas mentiras a meu respeito, jogam em mim o trabalho sujo e ainda ignoram minha existência, para no final, colocarem a culpa em mim. Em contrapartida, nas datas comemorativas e na frente dos chefes, nós somos uma "família" feliz.

Estou aqui há dois anos. As coisas nunca foram melhores.

Eric, nosso subgerente/supervisor/segurança, é o único que me defende e me ajuda, isso irrita ainda mais as outras cinco. É ele também quem me ajuda sempre que as contas não batem, porque os descontos são abusivos e injustos e eu preciso pagar minha faculdade.

Me levanto do chão e pego os papéis nos quais estava sentada e os jogo no lixo. Escovo os dentes na velocidade da luz e tranco o meu celular no armário, porque também não podemos ficar com o celular na loja, mas não faz a menor diferença, ninguém me liga.

Saio do banheiro e ando pelo estoque escuro mancando, por conta de uma bolha no calcanhar causada pelo quarto tênis que compro em seis meses.

— Mancando de novo? — Me assusto quando Eric para a minha frente estendendo um chocolate para mim.

— Não existem mais tênis confortáveis? — pergunto dando uma mordida no doce.

— Tenho esse tênis há dois anos e é o melhor — responde mostrando o calçado surrado e encardido que grita por um pouco de água.

— Ótimo, então me empresta — peço, depois de engolir o chocolate. — Sua vida é tão fácil.

Ele ri, mas sua expressão se transforma de humor em pena.

— Liliane está te procurando — diz, desviando os olhos dos meus. — Quer que você varra a calçada.

— Eu? Por quê? — pergunto, já querendo chorar.

— Tentei falar com ela, mas você sabe como ela é.

Tem uma moça que vem fazer a limpeza diariamente, porém hoje era folga dela. Já tive que varrer a loja inteira, os dois andares dela que tem o dobro do tamanho da minha casa, de cinco cômodos grandes. Depois disso ainda tive que passar pano em tudo.

Só nos meus Sonhos - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora