Devo ter cara de trouxa. Pensando bem, talvez eu seja mesmo trouxa. Liliane, a gerente do mal, me fez ficar no estoque o dia inteiro. Segundo ela, para me dar uma folga do caixa. A verdade é uma só, o estoque é um lugar esquecido, cheio de caixa e poeira, é escuro e sujo.
Geralmente quem fica no estoque tem que organizar tudo, pegar peso e limpar as coisas. Foi o que fiz. Cortei o dedo na embalagem de um brinquedo, tive uma crise alérgica que me fez ficar fungando por horas, só consegui almoçar às quatro da tarde e para completar, acabei com uma dor nas costas horrível.
Também estava muito desatenta, depois daquele "sonho" com Ji Hoon, de novo. Acabei não dormindo mais. Cheguei em casa e passei a noite em claro, com medo de dormir e encontrar um Ji Hoon irritado e impaciente.
Nenhuma dessas coisas se compara ao horror que estou vivendo agora.
— Luna, você ouviu? — pergunta Marlene, minha professora de escrita criativa.
Aceno com a cabeça e me levanto. Caminho como uma derrotada até as mesas de Henrique e Camila.
O trabalho é bem simples, tenho que entregar um conto meu para eles e pegar o de um dos dois para modificar completamente o final. É uma atividade muito legal mesmo, mas como posso entregar um texto meu para os maiores traidores que conheço, ainda mais diante de toda a sala.
Tenho certeza de que até a professora sabe que fui traída, porém, como cheguei atrasada de novo, acabei perdendo a chance de escolher o meu grupo e só sobraram os dois.
— Aqui, você muda o conto do Henrique e eu mudo o seu — diz Camila, com um sorriso forçado, me entregando umas folhas impressas.
— Não pode me mandar o arquivo? — pergunto confusa.
— Ah, desculpa. Nós não temos mais — informa, com falsa expressão de inocência. — Me manda o seu arquivo por e-mail.
Todos estão em silêncio, atentos a nossa conversa, esperando por algo, talvez uma briga.
— Camila, vou ter que digitar todo esse texto, vai dar um trabalhão — digo num tom contido.
— Eu sei, sinto muito, mas são só quatro páginas, não é amor? — ela se vira para o cara moreno de olhos grandes ao seu lado, os olhos que eu costumava amar.
— Cinco, desculpa. — Henrique não me olha ao se desculpar.
Não vou chorar!
Apenas aceno com a cabeça e sigo os meus colegas para fora da sala. Ouço as risadinhas deles. Sou o entretenimento da sala.
— Se deu mal — comenta um cara louro, rindo sem se preocupar em disfarçar.
Parecem um bando de adolescentes entediados. É ridículo porque a maioria deles trabalha e tem uma vida de adulto bem corrida. Como podem ser tão imaturos?
Antes que me dê conta, estou descendo as escadas aos prantos, mas é de pura raiva.
Por que a desgraça vem sempre acompanhada?
Depois de dois dias tão cansativos no trabalho, uma noite em claro, terei de virar a madrugada digitando o texto do Henrique e ainda criar um final alternativo criativo para qualquer que seja a porcaria que ele escreveu.
Solto minha playlist de onde parou e ironicamente começa a tocar Paciência, do Lenine.
Amasso as folhas como se fosse jogá-las no lixo, mas as enfio na bolsa, ao mesmo tempo em que entro no ônibus lotado. Se achar um cantinho, posso dormir durante os trinta minutos do percurso.
— Vambora motorista! — Grita alguém irritado.
— Não cabe mais ninguém não! — Completa uma mulher aos berros, bem na minha orelha.
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Só nos meus Sonhos - Degustação
RomanceSpin-off de Como Não Conquistar um Idol Luna não é uma garota muito sortuda, cresceu cercada por livros em vez de pessoas, perdeu os pais na adolescência, foi traída pelo namorado, é odiada no trabalho, e agora, para completar esse ciclo de desastre...