Capítulo 4

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Devo ter cara de trouxa. Pensando bem, talvez eu seja mesmo trouxa. Liliane, a gerente do mal, me fez ficar no estoque o dia inteiro. Segundo ela, para me dar uma folga do caixa. A verdade é uma só, o estoque é um lugar esquecido, cheio de caixa e poeira, é escuro e sujo.

Geralmente quem fica no estoque tem que organizar tudo, pegar peso e limpar as coisas. Foi o que fiz. Cortei o dedo na embalagem de um brinquedo, tive uma crise alérgica que me fez ficar fungando por horas, só consegui almoçar às quatro da tarde e para completar, acabei com uma dor nas costas horrível.

Também estava muito desatenta, depois daquele "sonho" com Ji Hoon, de novo. Acabei não dormindo mais. Cheguei em casa e passei a noite em claro, com medo de dormir e encontrar um Ji Hoon irritado e impaciente.

Nenhuma dessas coisas se compara ao horror que estou vivendo agora.

— Luna, você ouviu? — pergunta Marlene, minha professora de escrita criativa.

Aceno com a cabeça e me levanto. Caminho como uma derrotada até as mesas de Henrique e Camila.

O trabalho é bem simples, tenho que entregar um conto meu para eles e pegar o de um dos dois para modificar completamente o final. É uma atividade muito legal mesmo, mas como posso entregar um texto meu para os maiores traidores que conheço, ainda mais diante de toda a sala.

Tenho certeza de que até a professora sabe que fui traída, porém, como cheguei atrasada de novo, acabei perdendo a chance de escolher o meu grupo e só sobraram os dois.

— Aqui, você muda o conto do Henrique e eu mudo o seu — diz Camila, com um sorriso forçado, me entregando umas folhas impressas.

— Não pode me mandar o arquivo? — pergunto confusa.

— Ah, desculpa. Nós não temos mais — informa, com falsa expressão de inocência. — Me manda o seu arquivo por e-mail.

Todos estão em silêncio, atentos a nossa conversa, esperando por algo, talvez uma briga.

— Camila, vou ter que digitar todo esse texto, vai dar um trabalhão — digo num tom contido.

— Eu sei, sinto muito, mas são só quatro páginas, não é amor? — ela se vira para o cara moreno de olhos grandes ao seu lado, os olhos que eu costumava amar.

— Cinco, desculpa. — Henrique não me olha ao se desculpar.

Não vou chorar!

Apenas aceno com a cabeça e sigo os meus colegas para fora da sala. Ouço as risadinhas deles. Sou o entretenimento da sala.

— Se deu mal — comenta um cara louro, rindo sem se preocupar em disfarçar.

Parecem um bando de adolescentes entediados. É ridículo porque a maioria deles trabalha e tem uma vida de adulto bem corrida. Como podem ser tão imaturos?

Antes que me dê conta, estou descendo as escadas aos prantos, mas é de pura raiva.

Por que a desgraça vem sempre acompanhada?

Depois de dois dias tão cansativos no trabalho, uma noite em claro, terei de virar a madrugada digitando o texto do Henrique e ainda criar um final alternativo criativo para qualquer que seja a porcaria que ele escreveu.

Solto minha playlist de onde parou e ironicamente começa a tocar Paciência, do Lenine.

Amasso as folhas como se fosse jogá-las no lixo, mas as enfio na bolsa, ao mesmo tempo em que entro no ônibus lotado. Se achar um cantinho, posso dormir durante os trinta minutos do percurso.

Vambora motorista! — Grita alguém irritado.

— Não cabe mais ninguém não! — Completa uma mulher aos berros, bem na minha orelha.

Só nos meus Sonhos - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora