O conto do ciclope vesgo

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Autor: Leandro Samora


O encadernado em espiral explodiu na minha frente. A mesa até chegou a balançar um pouco.

– Ô, Augusto! Mas isto aqui está uma merda!

Eu respiro fundo.

– Pô, Garrido. Mas é só um roteiro, só o mote. Não tá redigido ainda.

Ele acendeu um daqueles cigarros elétricos. Estava tentando parar. O vapor levantou, ele espantou com a mão e acabou desistindo do cigarro. Falava alto, falava rápido. Era gordo.

– O problema não é a redação, Augusto – ele dobrava e tonificava a última letra. "Augustoô". Era irritante. – O problema é justamente a ideia. Está uma merda. Nem perde tempo redigindo isso que eu não vou publicar.

Eu pego meu encadernado. Viro a capinha transparente, dou uma folheada. Diabo, não é Ulisses, mas também não é um lixo como ele diz. Ou será que é?

– Me dá um tempo então, Garrido. Eu reescrevo algumas ideias. Terça eu te trago uma versão nova, pode ser? E já começo a escrever.

Ele pegou um cigarro de verdade. O último botão da camisa estava aberto e eu podia ver o umbigo dele. O Garrido era um sujeito suado.

– Não, não, Augustoô. Tô te falando porque eu sou teu amigo. Não escreve essa merda, nada do que tá aí. Já disse, não vou publicar. Me apresenta outra ideia, outro original.

– Tudo bem. Eu tenho uma outra ideia que também é boa [mentira]. Terça eu trago o roteiro.

– Segunda, Augustoô. Segunda – ele tossiu e jogou o cigarro aceso pela janela, levantando os braços como um jogador que acabou de fazer uma falta vergonhosamente explícita – Meu último! Esse foi meu último.
Eu suspiro.

– Segunda então.

– Isso, isso, segunda. Meu querido, eu estou segurando os prazos porque é você, viu? Quero que tu saiba disso. O chefão, ó – ele apontou com o polegar pro lado e grunhiu, um enforcado por uma corda invisível – o chefão tá no pé. Mas eu tô segurando. Eu digo pra ele "o Augusto é prata da casa! Se ele precisa de mais um tempo, então a gente dá um tempo pra ele", tá me entendendo? Porque tu é a prata da casa, meu querido.


– Eu sei. Obrigado, Garrido.

– Mas tem, ó. Tem um monte de molecão aí aparecendo com coisa nova. Um monte de ideia. E todos eles querem teu lugar, Augustoô. Mas eu tô segurando, viu? Prioridade é sua. Pessoal quer coisa sua logo...
Eu guardo o manuscrito na minha bolsa.

– Obrigado, Garrido.

– Mas os moleque tão vindo com tudo. Não dá pra segurar pra sempre.

– Obrigado, Garrido.

Eu fecho a porta. Escuto o barulhinho do isqueiro sendo acionado lá dentro.

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Eu espremo minha cabeça entre as mãos. Por que é que eu não consigo ter uma ideia que presta há tanto tempo? Quanto mais eu tento pensar, maior é o vácuo na minha mente. As ideias agora parecem aquelas figurinhas disformes que de vez em quando aparecem na nossa vista... Como é mesmo o nome daquilo? Basta você tentar focá-las pras sacanas fugirem de você. Caramba, como chama?

– Posso me sentar?

Ela não espera a resposta. Olho ao redor. Todas as poltronas da cafeteria estão vazias, mas ela se senta na minha frente. Coloca o capuccino na mesinha entre nós. Sacode os pés, expulsando as sandálias e cruza as pernas sobre a poltrona. Pés compridos. Delicados, compridos e bonitos.

Antologia: Clube de Autores de FantasiaOnde histórias criam vida. Descubra agora