Senhora Blackwood

9 1 1
                                    

     Isabella despertou no chão gelado, sua cabeça latejando. Ela se levantou vagarosamente, sentindo uma leve dor nas costas. A poeira invadia suas narinas, causando espirros inconvenientes.

     O ambiente era bem escuro, um cômodo iluminado apenas por poucas velinhas. Uma vela ao seu lado, quase sem mais cera, a fez perceber um desenho no chão: um contorno de giz. De joelhos, ela aproximou a vela do local, vendo o desenho com maior clareza. Um círculo com vários símbolos indecifráveis. Ela simplesmente ignorou e percorreu o olhar pelo quarto escuro. Ela sequer deveria estar ali. Estava comparecendo a um evento muito mais interessante, em um lugar muito mais limpo e iluminado. Avistou uma cômoda longa e a usou para se guiar pelo cômodo até a porta.

     Isabella concluiu que estava no primeiro quarto construído no hotel, um cantinho que nunca mais fora tocado desde 1943. 30 anos sem reformas era muita coisa. Tornara-se apenas um depósito onde os funcionários guardavam seus utensílios de labor. A textura do móvel era áspera e irregular, provavelmente cupins roeram a madeira. Poeira estava impregnada nos buraquinhos da superfície, o que arrancou mais espirros da senhora.

     Isabella franziu o nariz e caminhou até a porta. A maçaneta claramente passara por oxidação, farelos de ferrugem grudando na luva branquinha da mulher. O par teria de ser lavado com uma atenção especial. Isabella girou o mecanismo, porém a porta não abriu.

     Isabella bufou. Onde poderia estar essa chave? Passou as mãos pelo vestido negro. Não, ela não estava em funeral anteriormente. Estava em uma pequena celebração no auditório, uma reunião entre amigos. Apenas gostava da cor.

     Pobre Isabella. Vestidos não têm bolsos.

     O único lugar em que uma chave poderia estar com a dama era dentro de sua roupa. O decote tinha o formato de um coração, portanto era uma opção. Isabella tinha quase 60 anos, contudo permanecia estilosa com aquele vestido um pouco mais sensual.

     Sim, a chave estava entre seus seios erguidos somente pelo vestido justo. Perguntou-se porque não sentiu o metal rígido antes ou porque tinha uma chave escondida em suas roupas. Ela não lembrava.

     Isabella enfiou a chave na fechadura e a girou uma vez. A porta não abriu. Girou outra vez. A porta abriu.

     A mulher saiu do cômodo e acendeu as luzes. O corredor estava vazio, o papel de parede encardido decorando o extenso caminho e um chão de madeira perfeitamente marrom. As cômodas e quadros estavam em seu estado costumeiro: impecáveis. Tudo estava em seu lugar. Entretanto, Isabella sentiu a sensação de algo estar fora de lugar, um arrepio frio nada comum.

     Ela tentou ignorar esses sentimentos e caminhou pelo corredor. A cada passo, sentia seu corpo ficar mais leve. Olhou de um lado para o outro. Isabella estava sozinha naquele corredor, todavia não se sentia assim. Algo ou alguém estava à espreita. Não atrás, não na frente. Em todo o lugar.

     Isabella respirou fundo. Continuou a caminhar. O corredor parecia não ter fim. Ela sequer sabia o motivo de um corredor tão comprido em direção ao depósito do zelador. Na verdade, a extensão do espaço nem parecia possível. Não era tão longo quanto Isabella lembrava.

     A mulher finalmente chegou à recepção do hotel. Tudo parecia estar como sempre. Hóspedes sentavam-se nas poltronas vermelhas de veludo e liam livros ou tomavam chá. A recepcionista mantinha um sorriso caloroso, no entanto já estava se arrumando para ir embora. Estava anoitecendo e ninguém, em sã consciência, faria check-in a essa hora. O grandioso retrato na parede representava uma fotografia de Jonathan Blackwood, fundador do hotel, e sua esposa, Isabella, ainda nos anos 40, quando o negócio era tão promissor quanto o pouso do homem na Lua em ’69. Isabella sorriu, recordando de quando ela e seu marido eram mais jovens, mais esperançosos e menos preocupados.

Lendas do Blackwood Inn Onde histórias criam vida. Descubra agora