O Jardineiro

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     O Blackwood Inn tinha o próprio jardineiro. Todas as noites, ele usava as suas mãos velhas para pegar suas ferramentas e caminhava até a estufa com seus pés de idoso.

     A estufa do Blackwood Inn era uma verdadeira atração. As estantes eram repletas de vasos de argila, que abrigavam plantas dos mais diversos tipos. Flores, cactos, samambaias... um verdadeiro festival.

     O jardineiro trancou a porta da estufa e iniciou o serviço. Com sua grande tesoura, podou as ervas daninhas com cuidado e amor. Enterrou mudas nos vasos que aconteciam de estar vazias. Regou com todo o carinho do mundo as flores e samambaias.

     Todavia, ele não estava sozinho. Uma criatura o fazia companhia naquelas noites solitárias.

     Ele não era bonito de se olhar. Sua pele translúcida revelava as verrugas e deformações de sua cabeça. Sua postura era tenebrosa e suas vestes – um jaleco branco fechado e um avental com luvas – eram todas surradas. Seus óculos de proteção refletiam a luz da Lua, representando um pouco de beleza naquela figura horrorosa.

   Contudo, as aparências enganam, como vocês bem sabem. A voz daquele espectro era dócil como uma brisa campestre e sua personalidade era bastante calma. Contida demais, até. Foi uma das pessoas mais gentis que o jardineiro já conheceu. Por alguma razão, o jardineiro nunca revelou o próprio nome à criatura, mas a criatura revelou o próprio nome ao jardineiro: Benjamin Hartley, com doutorado em Biologia.

     Naquela noite específica, não foi diferente. Lá estava o Dr. Hartley, regando as plantas ao seu redor. Ele amava cada uma das mudas. Seu amor pela vida foi a razão pelo qual ele cursou Biologia.

     – Hartley, meu amigo! – acenou o jardineiro – Como foi seu dia?

     – Foi espetacular, senhor jardineiro – comentou o fantasma – Nada de especial, o que é ótimo para mim – a última sentença arrancou uma risada do jardineiro.

     Vocês devem estar se perguntando: “O velho não deveria estar apavorado?”.

     Bom, quando ele conheceu o Dr. Hartley pela primeira vez, há 2 anos, quase teve um ataque cardíaco. Até porque o biólogo era um fantasma e, de fato, um fantasma muito feio. Mas o jardineiro teve de se acostumar. Afinal, quem iria acreditar em um velho caduco que disse que viu um fantasma? Diante disso, o jardineiro percebeu que o Dr. Hartley não era tão ruim assim e que ambos tinham algo em comum: o carinho pelas plantinhas.

     Enfim, a noite seguiu. Ambos cuidando da vegetação da estufa enquanto papeavam sobre qualquer coisa. No entanto, em determinado momento, as plantinhas já teriam recebido seus devidos cuidados. Antigamente, o jardineiro só sairia do espaço e voltaria para casa, porém ele tinha um amigo agora. Portanto, ele se sentou um sofá de veludo presente, acompanhado do Dr. Hartley, e passou a conversar.

     – Não vai adivinhar quem reencontrei hoje! – Dr. Hartley o observou com curiosidade – Minha ex-esposa, Catherine!

     – Minha nossa, senhor jardineiro! – o biólogo repousou a bochecha sobre a mão enluvada – Pelo que o senhor me disse, ela era uma megera com o senhor.

     – Sim, sim... mas se eu te contar, ela parecia até mais feliz! Talvez tivesse até sido bom eu ter ido embora! Disse-me que está costurando para uns ricaços, até!

     – Bom pra ela – Dr. Hartley sorriu. Ele gostava de saber que as pessoas estavam felizes.

     – Falando nisso, Hartley – o jardineiro queria saciar a própria curiosidade – O doutor nunca me contou nada sobre suas empreitadas amorosas.

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