O Que Houve Com David Montgomery (1974, Parte 1)

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     David Montgomery era um homem corajoso e de bom caráter. Estava na faixa dos seus 40 anos, porém seus fios grisalhos já se percebiam em seus cabelos e costeletas castanhos, sempre bem lisos e aparados. Seu nariz era grande e seus olhos, azuis como o céu do meio-dia, protegidos apenas por óculos de grau redondinhos. No bolso de seu casaco, sua carteira guardava várias fotos de família. David amava sua família.

     Ele adentrou seu quarto com as malas em mãos. David foi para Sulphur a trabalho, contudo voltaria a Little Rock em alguns dias. O patrão de David ofereceu uma proposta de emprego na Luisiana. David não aceitaria, mas foi do mesmo jeito. Seu patrão era bastante convincente.

     David abriu as malas e começou a colocar as roupas no armário. Posteriormente, ele pegou um livro e passou a ler em sua cama. “Histórias de Fantasmas”, por Charles Dickens.

     Sem dúvida alguma, David estava sozinho naquele quarto. Os únicos ruídos audíveis eram causados pelo vento atingindo as cortinas e o virar de páginas do livro. Embora a janela estivesse fechada e o quarto não fosse nada ventilado, David não se importou em saber de onde vinha a ventania repentina.

     Um tempo se passou e a noite caiu. David saiu do quarto e se dirigiu ao restaurante do hotel.

     O restaurante do Blackwood Inn era bastante refinado. Sua especialidade era a culinária francesa, cortesia do primeiro chef a comandar a cozinha, Pierre Beaufort. Infelizmente, ele morreu em um incêndio, em 1972. David era bastante curioso para um adulto, portanto pediu a iguaria mais incomum no cardápio.

     David jantou e voltou para o seu quarto. Vestiu seus pijamas e se deitou na cama. Guardou os óculos na mesinha de cabeceira, pôs um copo d'água com gelo em cima dela e apagou a luz do abajur. Fechou os olhinhos e começou a roncar.

     Horas se passaram e David continuava deitado de barriga para cima, sua respiração calma como um córrego e seus roncos, quase imperceptíveis àquele ponto. Entretanto, ele não estava sozinho.

     Uma criatura sombria o observava, recostado na aresta entre paredes. Ele era coberto pela escuridão, sombras agitando-se onde deveria ser o seu cabelo bem-penteado. Brincava com uma moedinha de prata – o único objeto que não se resumia a penumbra – entre seus longos e magros dedos. Embora fosse impossível ver seu rosto, um sorriso ladino se projetava lá.

     Gradativamente, os olhos de David foram se abrindo. Ele estava com vontade de mijar. Todavia, assim que se ajustou à escuridão, sua visão não foi nada agradável. Mitos dizem que ele molhou os lençóis na mesma hora. Não é verdade.

     A criatura sombria estava próximo a um canto do quarto, fundindo-se com o ébano. Seus membros eram finos e bem longos, David sequer via as suas mãos. A moeda entre seus dedos caiu no chão, causando um ruído surpreendente.

     David gemeu. Agarrou os lençóis, mas não estava disposto a recuar. Manteve um semblante sério, ocultando o seu nervosismo. Isso não impediu a coisa de se aproximar.

     A velocidade da criatura era moderada. Contudo, os seus braços, fazendo movimentos estranhos a cada passo, inquietavam David. De acordo com ele, era uma indicação de que o bicho era bastante imprevisível.

     O único momento em que David recuou foi quando a criatura subiu na cama, terminando de joelhos no colchão. David agarrou os lençóis com mais força e seu coração estava acelerado. A coisa notou seu medo. David tremia como se estivesse em um inverno em Londres – não que ele saiba, pois nunca foi a Londres. A boca secou e o suor deslizou por seu rosto várias vezes. O bicho achava tudo muito engraçado. Tão engraçado que começou a rir.

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