Os Blackberries (1976, Parte 1)

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     Os Blackberries é a banda de jazz mais popular de Sulphur. O que não é muita coisa, pois é uma das cidades mais “dane-se” da Luisiana. De qualquer maneira, eles são famosos na região. Tocam jazz em casas de show locais e em estabelecimentos que recebem muita gente, no geral. E, mesmo com todas as mortes, o Blackwood Inn recebia muita gente. Isto é, era o lugar mais ajeitadinho ao mesmo tempo que barato da região e os viajantes e trabalhadores não queriam passar a noite em uma espelunca cara.

     Os Blackberries eram compostos por 7 pessoas: Bob nos vocais e no piano; Jimmy na guitarra; Betty no contrabaixo; Angus na bateria; Tyler no saxofone; Buck no trompete e Mary no trombone. Artistas exímios, ativos desde 1961. Parceiros do Blackwood Inn desde a sua criação. Coincidentemente (não existem coincidências na ficção), o novo gestor desde a morte de Jonathan, Thomas Wellington, era amigo próximo de Bob. Logo, tudo conspirava para a banda de Sulphur tocar no hotel. Por uma semana inteira.

     Embora os sucessos do momento consistissem em rock pesado e disco, Thomas era clássico. O casal Blackwood era clássico. O Blackwood Inn era clássico. A maior parte de seus hóspedes era velha demais para acompanhar os sucessos do momento. Os burgueses locais que frequentavam eventos no estabelecimento não gostavam muito do tons exageradamente agressivos e dançantes. O próprio Thomas não gostava. Um jazz familiar era muito bem-vindo.

     Os Blackberries chegaram em seu ônibus. Um veículo muito chique, da lataria preta e decorações de prata do capô. Foi o mais próximo de uma limusine para a banda.

     Bob desceu primeiro. Seu corpo negro era esbelto e trajado casualmente, assim como seus companheiros de banda. Não se preocupem, seus melhores traje serão visíveis à noite. Seu cabelo fora alisado para trás e seu bigode era fininho, fininho. Estendeu a mão para Thomas com um grande sorriso no rosto.

     – Thomas! A quanto tempo!

     Thomas sequer cogitou apertar a sua mão. Abraçou-o. A última vez que eles tinham se visto pessoalmente foi a 1 ano atrás.

     – Onde estavam vocês? – após o abraço, Thomas repousou as mãos gorduchas sobre os ombros do músico.

     – Levaram-nos para Nova Orleans, meu amigo! – recordou-se Bob. Ele olhou de cima a baixo para seu amigo – Devo dizer, Tom, não está muito em forma.

     Normalmente, Thomas não gostava que comentassem de seu peso. Entretanto, ele riu. Sabia que Bob não tinha malícia em sua brincadeira.

     – Continua brincalhão, Robert! – Thomas passou o braço por trás dos ombros do músico – Vamos! Deve fazer um tempo que vocês não vinham tocar.

     Enquanto o administrador guiava seu amigo para dentro do hotel, os outros membros da banda os seguiram, saindo do ônibus.

     Nada mudou muito desde da última vez que os Blackberries foram tocar. Não no saguão, pelo menos. A estante de livros rodeada de poltronas estava em seu lugar assim como o balcão de recepção. A escadaria ao fim do cômodo continuava um brinco. Thomas estava fazendo um bom trabalho.

     Bob encarou o grande quadro com a imagem de Jonathan e Isabella Blackwood. Eram boas pessoas. Ele sorriu com melancolia.

     – Foi uma tragédia – comentou Thomas – Mas não estamos aqui para ficar tristes, Bob – confortou o amigo.

     Thomas estava certo. Bob respirou fundo e continuou a seguir o gestor do hotel. Sua banda os seguia, como peixes em um cardume.

     Nenhuma mudança significativa rolou. Tudo estava bastante semelhante a como Jonathan e Isabella gostavam. Bob imaginou que o casal deveria estar muito feliz no Paraíso. Se o acaso não o proteger, um reencontro será inevitável.

     O dia passou e a noite chegou. Enfim, a primeira de sete apresentações. Cada integrante da banda passara seu “uniforme” na lavanderia. Eram verdadeiros esplendores: paletós – até para as damas – em um tom de roxo bem vivo e cintilante. Não tinha nada de disco no estilo musical dos Blackberries. Isto é, fora o traje extravagante, com bocas largas de calça e ombreiras.

     As apresentações começariam às 8 da noite. Bob vestia seu traje e, enquanto amarrava a gravata preta, escutou um murmúrio.

     – Não.

     Ele se virou. Não tinha ninguém além dele em seu quarto. Pensou que era coisa de sua cabeça, dando de ombros. Voltando aos seus afazeres...

     – É perigoso.

     Bob se virou novamente. Ninguém além dele em seus aposentos. Resmungou e voltou aos seus...

     – O senhor não pode ir.

     Três vezes já era demais. Impaciente, Bob caminhou até a porta.

     – Quem está aí?

     – Uma pessoa que quer ajudar – uma voz feminina e, aparentemente, de idade um pouco avançada.

     – Isso não ajuda em nada – resmungou Bob – Quero saber quem é você.

     – Eu... não posso dizer quem sou, senhor... – a voz parecia perder o fôlego – mas o senhor não pode ir se apresentar...

     Bob pensou em perguntar se estava tudo bem com a mulher do outro lado da porta, porém a sugestão de cancelar a apresentação o aborreceu.

     – Ora, quem é você para me dizer o que fazer?

     – O senhor não entende – o ar retornou aos pulmões da mulher – Leram a sua canção.

     Os olhos de Bob se arregalaram por um momento, entretanto sua tranquilidade perturbada retornou ao seu semblante.

     – Que seja! – exclamou – Não é como se fosse uma surpresa ou algo do gênero.

     – Pessoas que podem usar essa letra contra o senhor leram isso...

     – Que pessoas?

     – Também não posso dizer nada...

     – Então não venha me incomodar – o assunto morreu ali. Bob voltou a se arrumar.

     A voz suspirou. Pertencia a Madame Seraphina, que passou a caminhar para longe. Sombras circularam-na, junto de de um sussurro gutural:

     – Não tente evitar o futuro, Seraphina – a escuridão se agitava, acariciando a garganta da fantasma – Está pensando como Isabella.

     – Coisas ruins aconteceram nos últimos anos. Pessoas morreram aqui.

     – Pessoas morrem a cada segundo.

     – É diferente – o tom de voz da Madame Seraphina se intensificou – Você causou isso.

     – Eles estavam sendo muito intrometidos. Não é legal para os negócios.

     – Não é o que a Sra. Blackwood gostaria... – a sentença quase saiu como um murmúrio.

     – Não sei porque defende tanto essa mulher. Como se não lembrasse o que ela fez.

     Com essas últimas palavras, a penumbra se dissipou. Abandonada, a Madame Seraphina suspirou e continuou a andar pelo corredor. Entretanto, ela não desistira de impedir uma tragédia.

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