O Que Houve Com David Montgomery? (1974, Parte 2)

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     No dia seguinte, David voltou para o seu quarto no Blackwood Inn. O trabalho fora bastante cansativo. A subsidiária localizada em Sulphur ainda estava em processo de desenvolvimento, portanto David tinha de calcular bastante. Sequer conseguiu mandar uma carta à família. Quando criança, ele sonhava em ser ator de cinema, porém acabou se tornando um contador.

     David sentou na cama, sentindo a suavidade do colchão. Uma das vantagens do Blackwood Inn era a sua incrível infraestrutura. Suspirou, passando as mãos pelo rosto angular. Levantou-se, trocou suas roupas e vestiu algo mais confortável. Já era noite, hora de jantar. Assim fez ele.

     No restaurante, David pediu a refeição mais saudável do cardápio. Lembrou-se vividamente do encontro com o tal Vincenzo Fiorentino, experiência que ele esperava ter sido uma alucinação por conta das comidas francesas que não fizeram bem ao seu estômago e à sua cabeça. Pediu um ratatouille. Uma combinação de diversos vegetais era a melhor opção no momento. David estava estressado. Melhor comer berinjelas e pimentões com molho de tomate quando sua pressão está alta do que comer lesmas ou uma sopa de feijão cheia de restos de porco.

     Após terminar de jantar, David retornou ao quarto. A rotina foi a mesma de todas as noites: vestiu seus pijamas e se deitou na cama. Guardou os óculos na mesinha de cabeceira, pôs um copo d'água com gelo em cima dela e apagou a luz do abajur. Fechou os olhinhos e começou a roncar.

     A noite estava sendo relativamente tranquila. Nenhuma criatura observava David em seu sono ou balançava as cortinas. Aquela seria apenas uma noite comum.

     Entretanto, de repente, mordi a língua. A maçaneta da porta começou a fazer um incessante barulho. Como se uma criança estivesse mexendo com ela, achando que é brinquedo.

     O ruído perturbou David. Quando acordou, teve o mesmo raciocínio que a narradora. Ele tinha filhos, logo conhecia o modus operandi de crianças.

     Bufando, levantou-se da cama e pegou os óculos. Caminhou até a porta, meio estressado. Já aturara um dia cheio no serviço e ainda teria de procurar a família de uma criança desconhecida e travessa.

     Chegando à porta, David girou a maçaneta. A porta se abriu. Estávamos certos. Mais ou menos, pois o homem desistiu de ajudar a criança a voltar para o seu quarto.

     A criança era uma garotinha de pele meio amarronzada e sardenta, com cabelos da cor do chocolate presos em marias-chiquinhas. Seu vestidinho cor-de-rosa era meio surrado, mas sua figura emanava um brilho e um frio esquisitos. Sem dúvidas, o narizinho redondinho e o largo sorriso não combinavam com os buracos negros onde deveriam estar seus olhos.

     David sequer perguntou algo. Tentou fechar a porta, contudo as mãozinhas translúcidas – surpreendentemente fortes – se colocaram entre ela e o batente de madeira.

     Àquele ponto, David nem estava mais assustado ou com sono. A interrupção fora o suficiente para perturbá-lo. Reclinou-se contra o batente da porta e perguntou:

     – Outra alucinação da minha cabeça, hm? – ironizou – E olha que meu jantar foi relativamente normal.

     – Não, senhor – riu a menininha morta – Sou bem real.

     – Está perdida? – David questionou. O brilho da pequena logo sumiu.

     – Não... – ela deu pequeninos passos para trás, os lábios trêmulos – eu... eu sei voltar pra casa.

     – Está tudo bem, pequena? – David percebeu o receio da garotinha. Estava tão receosa que saiu correndo pelo corredor.

     David olhou para o fim do corredor, aonde a fantasminha se dirigia. Uma figura tão translúcida quanto ela surgiu, tomando a garotinha assustada nos braços.

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