Capítulo 1

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Rachel Sheherazade


Eu deveria estar ansiosa com o dia que estaria por vir amanhã, mas a verdade é que eu estava morrendo de medo e desejando que o amanhã demorasse mais a chegar do que apenas vinte e quatro horas. Há sete dias eu estava trancada no isolamento do Hotel, última etapa antes de entrar na Fazenda, o Reality Show rural da Rede Record de televisão, uma emissora questionável e um Reality mais questionável ainda. Como não temer o que poderia acontecer de amanhã em diante na minha vida?

Sempre fui uma pessoa que tentou ser bem certinha na vida, sem ser prepotente, acho que consegui trilhar um caminho certo. Não fui uma criança birrenta, não fui uma adolescente rebelde, não fui uma adulta inconsequente. Muito ao contrario, fui uma criança doce, uma adolescente pacifica que com dezoito anos estava na Faculdade e já concursada em um emprego publico, conheci um cara que julguei ser legal, casei com toda tradição na Igreja e no Civil. Tudo sempre dentro das normas da sociedade. Eu vi minha vida mudar completamente com um convite de ir para São Paulo apresentar o principal jornal da noite do SBT.

Minha vida mudou totalmente após o convite, São Paulo foi uma cidade que me trouxe muitas coisas boas e me revelou que o meu marido na verdade era péssimo, como eu estava ganhando um bom salário na época eu literalmente paguei para não me aborrecer, não por mim, mas pelos meus filhos. Sai do divorcio com metade do dinheiro que havia acumulado e totalmente sozinha, acabei sozinha sendo mãe e a única responsável pela criação dos meus filhos, minha família continuava toda morando no Nordeste, era eu por eu.

Ser jornalista é um compromisso com a verdade e foi por não saber esconder a verdade que me vi brigando com o governo, era um caminho perigoso por vários motivos e claro que acabei sendo demitida, de forma absurda e sem justificativa. Processei a emissora e foi como se eu tivesse matado alguém, fui apontada como errada mesmo a justiça tendo sido ao meu favor, as portas se fecharam para mim e me vi dois anos sem conseguir ganhar praticamente nada e vendo minha reserva financeira  se esgotarem mês a mês, foi assim que veio o convite para A Fazenda, que obviamente neguei de pronto. Estava em uma situação complicada, mas não na beira do desespero para aceitar ir para um Reality Show.

Após o convite aquilo ficou fixo na minha cabeça, eu o tinha negado, mas e se eu aceitasse? Poderia realmente ganhar o premio final de um milhão e meio? Isso seria realmente valioso e útil. Eu poderia no final ser contratada pela emissora? Eu gostaria de trabalhar em uma emissora evangélica? Eu conseguiria? Eu teria ainda o respeito do publico após me expor em um reality? Eu sairia odiada? Eu sairia amada? Eu conseguiria conviver com pessoas tão diferentes de mim?

Minha ansiedade me atacou, eu não era de fugir das coisas, isso não era da minha personalidade. Talvez o convite tenha sido um presente, talvez eu conseguisse tirar bom proveito da experiência. Foi pensando assim que acabei aceitando o convite. Tentei me preparar assistindo as maratonas da Fazenda no PlayPlus e procurando coisas pelo twitter e youtube. Seria um grande desafio e com toda certeza minha vida ficaria separada entre antes e depois de A Fazenda. Aos cinquenta anos de idade, com dois filhos adolescentes, solteira e com fé que estava tomando a decisão certa eu me vi de malas prontas e indo para a maior loucura da minha vida.

O amanhã chegou como havia de ser e pelo incrível que parece acordei tranquila e calma, nem parecia que estava indo para um reality show e logo logo o publico teria carta branca para julgar cada ação, fala e posicionamento meu. Bem como iriam me ver dormir, acordar, tomar banho, comer ... eu estaria aberta com todos os meus defeitos e qualidades.

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Tantos rostos e eu só conhecia de fato dois deles, Andre Gonçalves, um ator global que fez diversas novelas e creio que era conhecido por todos aqui e o Lucas, pois quando procurei informações da Fazenda claro que me foquei nos campeões e Jojo era uma delas, a ex-esposa de Lucas, aparentemente foi um divorcio bem complicado o deles, então eu não sabia bem o que pensar sobre Lucas, muito embora eu não estava ali para me prender a informações de fora, deixaria minha intuição dizer se ele era ou não confiável.

Entrar em um reality era uma experiência que todo mundo deveria ter, pois psicologicamente é de deixar qualquer um fora de sua própria mente e zona de conforto. Primeiro você passa pela solidão do pré-confinamento onde você fica literalmente sozinha consigo mesmo por uma semana, para quem não curte sua própria companhia aquilo deveria ser um grande problema. Ainda bem que eu sempre gostei do silencio e de ficar comigo mesma, pensando e refletindo, no entanto sempre fui muito afetiva e ficar sozinha me deu uma carência surreal. Quando me vi com tantas pessoas logo me senti pequena pela minha timidez, mas também carente e querendo tocar, abraçar, dar carinho e receber carinho. No primeiro dia não fiz, mas em menos de sete dias já me vi visceralmente apegada a algumas pessoas e extremamente afetiva com elas.

Engraçado como criei uma categoria de um bolha afetiva e conseguia enxergar cada pessoa da minha bolha como uma função, Jaque, ela era como uma filha, não que eu amasse como tal, bem longe de sentir o que sentia pelo menos filhos, mas ela era uma pessoa que eu via com imensa doçura e fragilidade e a quem eu sentia necessidade de proteger. Lucas, eu o via como um irmão mais novo, embora ele tivesse idade para ser meu filho, eu sentia que eu podia o proteger e ele podia me proteger mais ainda, tal como uma irmão mesmo, que sempre esta pronto para defender a irmã, esse era Lucas. Andre, era um bom amigo, alguém que eu sempre poderia conversar e contar segredos. Nessa dinâmica eu tentava muito encaixar Kally, mas nunca conseguia. Kally, ela não era como uma irmã, filha, amiga, tudo parecia insuficiente para identificar ela, eu gostava dela, sentia a necessidade de sua companhia, odiava que ela circulava pela casa toda, literalmente se eu pudesse a prendia algemada a mim, pois Kally solta era um perigo. Andre sempre me alertava que ela era falsa e fazia jogo duplo, Jaque e ela, embora amigas de fora da casa, viviam em conflitos idiotas. Já Lucas não tinha tanta afinidade com ela, mas mesmo meu grupinho sendo alheio a ela, Kally era meu ponto fraco no jogo, eu gostava dela perto. Gostava da energia dela, do seu jeito louco de ser, da sua voz encantadora, do brilho que ela emanava, dos olhos verdes que para mim eram tão fáceis de ler.

Olhar para Kally me dava uma sensação de ver um futuro e eu não fazia ideia do que aquilo significava.

E a gente vive juntoOnde histórias criam vida. Descubra agora