Capítulo 3

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Rachel Sheherazade

Kally era um verdadeiro furacão, ela havia saído da casinha da arvore como se eu tivesse lhe pedindo dinheiro emprestado. Continuei deitada, dessa vez sozinha, repensando em tudo que havia acontecido. Kally após uma briga besta com Jaqueline a qual eu não sabia dizer se era de verdade ou brincadeira acabou dormindo em cima de mim, o sono pesado fez ela me agarrar, nem mesmo as risadas de Jaque e as piadas bobas do André a fizeram acordar. Jaque fez que iria acordar ela diversas vezes, mas eu não deixei, um tempo depois Jaque e Lucas saíram da casinha deixando apenas Kally dormindo e Andre e eu acordados.

André conversou um pouco sobre a vida, ele era aleatório demais, vivia uma filosofia de vida desconexa com a realidade. Privilegio dos homens, poder chegar quase aos cinquenta anos sendo um sonhador, para nós que somos mulheres a realidade sempre é nossa maior companheira, caso contrario a vida castiga a gente sem piedade.

- Vamos entrar? To ficando com fome – André disse ignorando Kally dormindo.

- Vá você, vou ficar aqui até ela acordar –

- Acorda ela – Ele disse como se fosse a coisa mais obvia do mundo a se fazer.

- Não, ela ta dormindo tão gostosinho. Deixa ela dormir, eu não to com fome e nem tenho o que fazer lá dentro, vá que eu fico –

- Eu fico com você então te fazendo companhia – Ele se ofereceu gentilmente.

- Pode ir, André. Sério, qualquer coisa depois você volta – Insisti para que ele fosse comer algo, eu realmente não tinha fome nem pressa para sair dali, a casinha tinha virado meu maior refugio e todo mundo sabia disso.

André saiu e  Kally ainda levou um longo tempo dormindo, quase acordei ela para ver o sol indo embora, uma linda visão, mas não tive coragem de acordá-la, a deixei dormir o tempo que seu corpo precisasse. 

O selinho trocado quando ela acordou foi um total acidente, era bem obvio isso, mas pareceu consumir ela acima do normal. Ela ficou totalmente desconcertada. Quando eu enfim sai da casinha fui para área dos animais, logo tocaria o aviso para que não andássemos mais por ali, pois os animais precisavam dormir. Fiquei olhando as ovelhas, elas me traziam paz e me lembravam a minha gatinha, pois eram branquinhas e adoravam carinho e comida.

Voltei para a sede, já era tarde demais, na sala os grupos estavam misturados, uma verdadeira raridade. Desde Andre, Jaque, Lucas, Kally até Marcia, Tonzão, Black, Shay, Alicia e Nadja.

- Você é como mãe trabalhadora ou filho adolescente. Só aparece em casa para dormir – Jaque reclamou da minha ausência assim que me viu entrar.

- Vem brincar com a gente – André me convidou, não havia nada melhor para se fazer, então mesmo sem saber a brincadeira eu fui me juntar a eles. O único local vago era ao lado da Kally, eu não sabia se poderia sentar ali, não sabia se ela havia voltado a normalidade. Acabei indo me sentar no chão próxima ao Andre, mas antes que eu realmente sentasse Kally resolveu interceder.

- Vai para o chão por quê? Fique aqui que quero carinho – Ela me chamou e mesmo não estando tão perto encarei seus olhos, pareciam tranquilos, sorri satisfeita que o surto dela tinha passado e me sentei ao seu lado. Automaticamente ela jogou seu corpo para cima de mim e me abraçou. O jogo era stop, eles haviam decidido que só era valido nome de países, a letra da vez era M.

- Massachussets – Black foi o primeiro a se manifestar animado, não consegui não soltar um riso anasalado.

- Isso é um Estado e não um país – Falei sem querer constrangê-lo.

- Marrocos – André disse logo em seguida.

- Mali – Falei.

- Você está inventando países – Jaque falou igual criança emburrada.

- Fica na África Ocidental – Respondi o obvio, afinal Mali é realmente um país.

- Maldivas – Lucas disse.

Aproveitei que todos estavam distraídos e sussurrei no ouvido da Kally "Malawi"

- Malawi – Kally disse orgulhosa e imediatamente fomos vitimas de vários pares de olhos.

- Você assoprou para ela – Jaque acusou e eu tinha a cara mais cinica do mundo – Não é justo –

- Eu não falei nada – Menti cinicamente fazendo minha melhor cara de anjinho.

- Eu lembrei sozinha – Kally se juntou a mim no nosso teatro insolente.

- Então onde fica esse país? – Black contestou fazendo Kally e eu rimos de forma cúmplice.

- É claro que é na África Ocidental também, ta achando que sou burra? – Kally falou de forma presunçosa e ninguém contestou mais ela.

- Fica mesmo na África Ocidental? – Ela me perguntou baixinho quando já não éramos mais centro das atenções.

- Sim –  Eu ri, pensei em beijar sua bochecha, mas lembrei do incidente de momentos antes, então beijei seu ombro e a vi sorri para mim. Deixei meu queixo encostado no ombro dela, a mão dela repousava na minha coxa, estávamos realmente coladas uma na outra e isso era reconfortante. Aproveitamos a proximidade para ficarmos conversando coisas aleatórias enquanto os demais discutiam se havia ou não mais países com M, eu lembrava de alguns outros, mas não estava afim de sair da minha conversa com Kally para pagar de professora de Geografia.

Kally tinha geralmente as mãos inquietas e em um desses momentos de inquietude ela tirou um dos anéis do meu dedo.

- É uma aliança com alguém? Anel de compromisso? – Ela perguntou curiosa analisando a joia.

- Não, apenas um anel. Eu gosto dele –

- Tem cara de ser muito caro – Kally me olhou nos olhos esperando uma resposta, como nada disse ela concluiu que estava certa e, realmente, ela estava, era um anel bem caro.

Kally colocou o anel em seu dedo e ficou alguns segundos olhando para ele.

- Só vou te devolver lá fora – Ela disse me pegando totalmente de surpresa – É minha garantia que aconteça o que acontecer aqui dentro, o jogo tome o rumo que for, você vai se encontrar comigo lá fora para recuperar essa pequena fortuna – Eu estava totalmente atônita com aquilo, buscando algum sinal de brincadeira ou coisa do tipo, mas não encontrei. Kally tirou o meu anel da mão direita e colocou na mão esquerda, no dedo anelar e encarou nossas mãos com anéis semi parecidos no mesmo dedo.

Ver meu precioso anel no dedo dela me deu uma sensação estranha que eu não sabia identificar, a respiração falhou e o coração falhou junto, era estranho, mas não ruim. De certa forma gostei do compromisso que selamos ali, acontecesse o que acontecesse no jogo, estávamos ligadas por aquele anel que eu iria buscar com ela no final de tudo.

Nossa mão esquerda permaneceu entrelaçadas e Andre chamou nossa atenção para voltarmos ao jogo junto com o resto das pessoas.

E a gente vive juntoOnde histórias criam vida. Descubra agora