O que os olhos não vêem, a internet mostra

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Mais uma vez tive vergonha de sair de casa. Novamente quis excluir as redes sociais. Será que um dia teria coragem suficiente para fazê-lo?

“Noite de farra em Ibiza”

Era o título da foto em que o meu noivo, aparecia sorrindo ao lado de mulheres seminuas. Ele era um “solteiro cobiçado”, herdeiro do maior laboratório de diagnóstico da América Latina, lindo, absurdamente rico, mas... de fato não era “solteiro”. Estávamos num relacionamento há oito anos, quase um casamento, quase...
Eu havia sido cegamente apaixonada pelo único homem o qual conhecia. O único a quem beijei, a quem me entreguei. Não sabia nada além do que ele me ensinara.
O castelo de cartas começou a desmoronar, quando o príncipe mostrou- se na verdade,  como um dragão. Ele se encontrava em viagem internacional quando vi a primeira foto de traição, e assim comecei a minha bizarra coleção. Tornou-se a foto favorita, aquela em ele enfiava a língua dentro da boca de uma iludida qualquer, numa boate. Como na maioria das vezes tende a acontecer, meu ódio foi direcionado à ela de início, mesmo sabendo que ele, era quem tinha compromisso comigo.
Obviamente eu procurei confronta-lo, mas a sua atitude seguinte foi o que deu o “click” no meu cérebro, coração ou sabe-se lá Deus, o que comanda os sentimentos.
Ele pôs as cartas sobre a mesa. Meu pai tinha um acordo de fusão da sua empresa de Planos de saúde com a de Diagnose do meu amantíssimo noivo. O fato é que a empresa do meu pai estava falindo, mas tinha nome e o noivo que detinha capital, ambicionava ser um CEO no ramo hospitalar.
Desta forma, o casamento seria bastante vantajoso para os dois lados, um casamento por conveniência, em pleno século XXI. Com isso, as traições continuariam, eu deveria aceitar tudo bem calada, pois até mesmo o apartamento onde eu morava, era pago por ele, assim como a faculdade de medicina, a qual me persuadiu a cursar, pois, de fato, era um curso que eu odiava.
Todo o amor se transforma em asco, toda a ternura, em vontade de que seu avião explodisse, a cada vez que decolasse... Rapidamente ele percebeu as diferenças de atitudes por minha parte, foi mais ou menos nessa época que as agressões começaram.
A cada traição, eu me tornava motivo de chacota para as pessoas do curso de medicina, que sempre procuravam comentar sobre o que apareceu no Tweeter e posteriormente no X, Instagram, até mesmo nos jornais de fofoca. Era humilhação por cima de humilhação, somada às péssimas notas de um curso que eu odiava e às aprovações compradas por ele, a fim de que eu obtivesse um falso título de médica, para uma profissão que jamais exerceria.
A culminância disso tudo, foi um surto. Tranquei a faculdade e entrei secretamente no curso de literatura da Universidade Federal, a qual tive nota bem alta nas provas. De fato, eu nem sabia o que queria estudar, mas precisava fugir de algum jeito.
Escolhi o curso noturno, para evitar que me identificassem. De alguma forma, achava que os estudantes da noite tinham coisas mais importantes a fazer, do que acompanhar fofoca de celebridades. Percebi que estava certa, pois as pessoas que passavam por mim dentro do campus, mal me olhavam.
Apesar disso, me preparava para em breve enfrentar o dragão, que me confrontaria sobre a recente mudança em meus estudos. Era ele quem decidia sobre “minhas escolhas”, isso provavelmente me renderia uma surra, que eu estava disposta a encarar assim mesmo.
Aquele dia havia sido uma merda. Eu tinha acordado com as fotos de Ibiza, lotando minhas redes sociais. Não adiantava bloquear as pessoas, outros demônios apareciam, tentando a todo custo, debochar ainda mais da minha vida infeliz.
Vivian, a amiga que dividia o apartamento comigo, passou grande parte do dia falando sobre o quanto eu deveria ser grata, sobre como errei em  ter mudado de faculdade e que os homens tinham suas  necessidades, sendo a traição, algo muito normal. Assim como minha família, ela justificava tudo o que Benício fazia.
Fui para o primeiro dia de aula do curso novo. Deveria estar animada, mas continuava me sentindo um monte de merda. Cheguei atrasada devido ao trânsito, fiz vergonha assim que entrei na sala, derrubando o material do rapaz que estava sentado ao lado da única mesa vazia.
O professor não foi nada amistoso, pensou de imediato que estávamos flertando. Em seguida, comecei novamente a ter uma crise de ansiedade.
O coração disparando num ritmo irregular, formigamento nas palmas das mãos, falta de ar, lágrimas que surgiam à minha revelia.

“O que eu estava fazendo ali? A quem queria enganar? Nada iria mudar, tudo ficaria pior...”

Ao fim da aula, fugi. Procurei ar puro. Encontrei- me no terraço, longe de todos, mas... como fugir de mim mesma?
A chuva era agradável, tão fresca. Retirei as sandálias e senti a água nos pés. Paz, um momento de alívio no inferno. Subi na mureta, o vento me acariciava, era quase sensual. Abri os braços, queria voar.
A morte me parecia doce, convidativa. Haveria o voo e por fim o impacto doloroso. Mas a dor, essa eu já conhecia, seria apenas mais uma vez, a última.
Houve a queda, mas não a dor. Alguém me puxou, tive ódio. Ele me tirou a liberdade do voo.  Eu estava viva ainda...
Algo mudou, não queria mais fugir, ninguém mais decidiria por mim.
Desejei estar viva, mas desta vez, tomando minhas rédeas. Aquele estranho acionou um novo “click” no meu cérebro. Fui para a casa e pintei o cabelo de castanho, sua cor original.
Eu não seria mais a “Barbie” de ninguém.

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