A Besta do Teatro, e o sucessor do mágico Mel, eram a mesma criatura.
Ela poderia ter imaginado, ou não, porque isso era uma grande ironia. É claro que o sucessor de Mel assobiaria para as dançarinas durante as noites para tentar repassar a sensação de segurança, e é claro que ninguém iria se lembrar que ele teve um sucessor porque odiavam o novo mágico por ser "bonitinho", mas não o achava bonitinho, o achava... errado, como algo que não deveria existir, como se aquele rosto maquiado na verdade fosse uma máscara para algo que afugentaria o público ao invés de atraí-lo. Animais não possuem vale da estranheza, mas após muitas gerações procriando com humanos, homens bestiais também desenvolveram o tal instinto de rejeitar e temer tudo o que tentava imitar o padrão humano e falhava de alguma forma. E esse mágico ativava seu vale da estranheza como nada antes havia feito, como se nem sequer fosse uma besta.
Ainda, ele tinha jeito com as palavras, de manter a atenção do público nele. Enquanto realizava seus truques, fazendo objetos mudarem de aparência na frente de seus olhos, transformando cartas em pombas, fazia coisas desaparecerem e reaparecem em outros lugares do palco. O mágico, o nome era Destino? Certo, deve ser um nome de palco, ele chamava sua atenção com seus truques e era bom no que estava fazendo e fazia o público não parar de olhar para ele em nenhum momento. Até o cliente ao seu lado parecia estar se divertindo com os truques, e para ser honesta, ele estava a impressionando também, mas não conseguia tirar da mente o instinto de tentar fugir dali antes de ser percebida. Finalmente, ele assoprou a vela com a qual estava realizando um truque com fogo e tirou a cartola, se curvando para o público.
— Obrigado! Muito obrigado! É uma honra me apresentar para os senhores e senhoras esta noite, mas faremos um intervalo de trinta minutos e então a noite continuará! Por favor, aqueles que pagaram para cumprimentar aos atores da peça "O Santo e a Porca" que se iniciará após o intervalo! Meu nome é Destino, o Magnífico Mago do Teatro Municipal! Boa noite!
Deu passos para trás, as cortinas se fechando com os aplausos da plateia. Rossiya estava aliviada que acabou e estava pronta para retornar ao dancing e ficar bem longe do teatro e seu mágico esquisito pelo resto de sua vida. Ela não esperava seu cliente se levantar.
— Então, vamos ver onde ficam os bastidores?
— Eu acho que não ouvi o senhor direito.
— Os bastidores. Eu paguei para ir ver os atores na peça, e querendo ou não ver apenas o mágico seria uma perca de tempo.
Isso apenas poderia ser uma piada. Eles iriam continuar lá? Era sério? Abaixou a cabeça e acompanhou o homem, por dentro frustrada, e por fora sem nenhuma expressão. Respirou fundo, seria apenas mais um pouco, e era melhor que ficar presa no dancing, não é? É. Ela poderia suportar. Não eram só eles dois, havia uma família e alguns outros militares, guiados por um funcionário do teatro até os bastidores onde todos os sete atores da peça, mais o dono do teatro, estavam esperando-os. Apertos de mão, sorrisos, agradecimentos por terem vindo e por assistirem ao espetáculo e serem tão pacientes, o ator bonito e loiro - Galvão - entregando doces para as crianças e sorrindo, e seu sorriso se manteve quando viu a mulher lobo.
— Os senhores gostaram do espetáculo do mágico?
— Bastante. Eu não quero incomodar, mas eu originalmente ia trazer um amigo que gosta muito das peças do teatro. Ele teve que ser transferido de última hora e eu prometi que conseguiria um autógrafo de todas as estrelas.
Galvão sorriu, pegando papel e caneta. Adorava interagir com o público, era um dos momentos favoritos do seu trabalho; isso era compartilhado por Lançarote que chamou os colegas.
— Pessoal, autógrafo!
Foram assinando, um depois do outro. Uma das crianças passou por eles sem ser percebida, se aproximando de uma figura alta escondida nas sombras com admiração. Rossiya sentiu um frio na espinha quando percebeu que era o mágico escondido dos olhares dos adultos, e ficou completamente arrepiada quando ele se agachou para ficar na altura da criança e tirou suas mãos da capa. Então mudou para pura confusão, com ele materializando uma moeda e fazendo truques com a moeda e tirando risadas admiradas da criança.
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Respeitável Público
FantasiÉ um papel promocional. Na frente, a imagem do mágico, e o título de antes. "Destino, o Magnífico! Última apresentação da longa carreira do maior mágico do país!" Mas, no verso do papel, havia informações sobre ele: "Apresentando-se no antigo Teatro...