Nos próximos dias, Rossiya ficou com o mágico na cabeça, mas tentou ao máximo evitar de pensar nele. Bonitinho, não, ele não era bonitinho; era bonitinho, esquisitinho e educadinho, e parecia gostar de crianças. De vez em quando olhava para a flor presenteada dentro de um vaso que ela conseguiu, e se deixava dar pequenos risinhos e se sentir cortejada e feminina como não era possível no criadouro de "cães de segurança" onde nasceu e foi vendida ao dancing quando se mostrou dócil demais. É claro que ela ganharia qualquer briga que tivesse com seu pai, mas ela não queria ser usada como cadela de guarda. Ela se deu bem, e sim, dançar a noite toda com humanos era se dar bem quando ela poderia ter sido vendida ao prostíbulo ou simplesmente sacrificada, e a dona Madalena era muito melhor do que seu antigo dono.
Deu um longo suspiro enquanto acariciava as pétalas da flor, apoiando o queixo na mão. Dona Madalena não queria nenhuma de suas meninas encontrando parceiros, mas se em outra vida ela pudesse dar uma chance àquele mágico adorável, ela daria, mesmo que ele fosse o coelho mais estranho que ela já tivesse visto na vida. Riu com o pensamento de acidentalmente esmagá-lo pela grande diferença de tamanho.
As coisas, porém, não estavam tão bem assim no grandioso Teatro Municipal. Foi como se, da noite para o dia, Destino tivesse sido substituído por uma besta territorial, agressiva, e que não saía do sótão a menos que fosse para pegar comida escondido e rosnar para os funcionários toda vez que era flagrado — já que "Destino" e "silêncio" se tornaram impossíveis de usar na mesma frase porque ele batia o pé o tempo todo. O dono do teatro estava preocupado, todas as apresentações do mágico foram canceladas e nem mesmo Galvão conseguia entrar no sótão sem receber cliques ameaçadores em sua direção.
— E-ele berrou c-c-comigo! Ele d-disse que me o-o-odeia e q-que eu e-estragueitudo! — chorou o ator após o terceiro dia desse comportamento bizarro. — Eu só t-tropecei na t-teia que e-ele tinha f-f-feito! Eu n-nãoq-queria!
Nenhuma besta que havia vivido no teatro antes havia se comportado daquela maneira. Nem mesmo com Mel, que tinha o comportamento um pouco bruto em relação aos humanos, havia sido assim. A demora do veterinário para chegar no teatro só serviu para irritar o dono e causar mais tensão dentro do glorioso edifício, que não foi aliviada quando o homem entrou no escritório onde estavam reunidos para contar a ele de tudo o que estava acontecendo.
— ... infelizmente, se isso continuar, não teremos opção a não ser sacrificá-lo. Não posso manter uma besta agressiva e descontrolada dentro do teatro, é um lugar sagrado para o bairro de Grande Dionísio e eu devo pensar na segurança de todos que estão aqui.
Galvão soluçou alto e escondeu o rosto nas mãos quando ouviu isso, recebendo tapinhas nas costas vindas de Tristão. O veterinário nervosamente apertava sua bolsa, antes de abrir e pegar o fichário com todas as informações médicas da besta e começar a ler todos os exames.
— Isso não tem como ser de repente. Tem que ter algo que tenha engatilhado essa mudança de personalidade, alguma doença, alguma mudança drástica de rotina, alguma mudança de dieta... os exames aparecem normais, então aconteceu depois da minha última visita. Tem qualquer coisa que possa ter ocorrido que possa vir a mente como a causa?
— Absolutamente nada. — bufou o dono. — Ele apenas acordou um dia e decidiu ser agressivo feito um cachorro raivoso.
— Não, não há como ser raiva. É vacinado. — murmurou, ainda procurando. — Ele mostrou esse comportamento antes em algum momento do passado?
— Não. Galvão, ele já fez isso antes?
— N-n-nunca, chefe. — soluçou o pobre ator. — Ele r-recusac-c-comidaa-até de m-mim!
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Respeitável Público
FantasiÉ um papel promocional. Na frente, a imagem do mágico, e o título de antes. "Destino, o Magnífico! Última apresentação da longa carreira do maior mágico do país!" Mas, no verso do papel, havia informações sobre ele: "Apresentando-se no antigo Teatro...