Capitulo 3

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Senti a necessidade de sair daquele ambiente. Tudo era excessivo, não que eu não gostasse de festas ou algo do género, mas aquela, em particular, estava a sufocar-me. Encaminhei-me em direção à enorme varanda da discoteca, que se encontrava praticamente vazia. Tirei os saltos altos que me massacravam os pés e sentei-me num banco perto da proteção da varanda. A noite estava linda, estrelada. Apesar do clima frio de Londres, a temperatura era agradável.

Decidi tentar mais uma vez, uma última vez. Se ele não atendesse, não haveria mais motivos para uma próxima ligação.

Tirei o telemóvel da pequena mala que trazia e digitei um conjunto de números, iniciando a chamada. Ele provavelmente não iria atender, mas eu precisava tanto de conversar,  dizer que sinto muito por ele não entender o meu sonho, que o amo e que tenho imensas saudades. Talvez se a mamã ainda estivesse aqui, as coisas seriam mais fáceis, porque depois que ela partiu ele nunca mais foi o mesmo..

Coloquei o telemóvel sobre as minhas pernas enquanto chamava e fiquei a encará-lo até que "chamada não atendida" aparecesse no ecrã.

Bufei.

-Um dia difícil, não?

Ouvi uma voz grave atrás de mim. Pelo sotaque, percebi que não era de um inglês.

Virei-me para encarar o dono da voz. Era um homem alto, vestido de forma casual, mas com um ar de confiança que não passava despercebido.

-Sim, um dia... complicado- respondi, ainda sentada no banco da varanda.

Ele se aproximou, mantendo certa distância

-Posso?- perguntou, apontando para o lugar vazio ao meu lado.

Assenti.

-Os momentos difíceis costumam encontrar-nos nos locais menos esperados- disse ele com um sorriso compreensivo.

Acenei, concordando com a cabeça, enquanto observava as luzes da cidade.

-Parece que sim.

-Já agora, sou Carlos- disse estendendo a mão.

-Clara- respondi, cumprimentando-o- É um prazer conhecer-te, Carlos.

Ele inclinou a cabeça levemente, como se tentasse compreender algo.

-Clara... um nome bonito.

Sorri, agradecendo.

-Obrigada.

Ficamos em silêncio por um momento, aproveitando a paz da noite.

-Se precisares de conversar sobre isso que parece estar a incomodar, estou aqui- disse ele gentilmente, apontando para o telemóvel que ainda repousava sobre as minhas pernas

-Às vezes, um estranho pode ser o melhor ouvinte- comentei, refletindo sobre a estranha ironia

Carlos assentiu com uma expressão séria, como se entendesse perfeitamente o significado das minhas palavras.

-Todos temos os nossos próprios fardos para carregar, não é verdade?- Ele parecia distante por um momento, como se estivesse imerso em suas próprias reflexões.

-Sim, todos enfrentamos as nossas batalhas-concordei, recordando-me dos meus próprios desafios.

-O meu pai...- comecei, hesitante. Era difícil falar sobre ele, sobre a ausência e a distância emocional que se formou entre nós, e depois que ele se opôs à minha ida para Londres, tudo ficou mais difícil.

- Ele... sempre foi um homem ocupado. Um trabalho exigente, viajava muito. Nunca tivemos uma relação muito próxima.

O vento suave acariciava meus cabelos enquanto eu tentava reunir as palavras certas para descrever a complexidade da relação com meu pai.

-Às vezes, a vida profissional acaba por afastar as pessoas que mais amamos- comentou Carlos, com compreensão-Entendo um pouco sobre isso.

Olhei para ele, surpresa.

-Entendes?

Carlos assentiu

-Sim, por vezes, as responsabilidades e a carreira podem complicar as relações pessoais.

Eu concordei, sentindo-me compreendida. A conversa estava a fluir, mas havia uma aura de mistério sobre ele, sobre o que realmente fazia da vida. A curiosidade começava a despertar em mim.

-É realmente difícil- concordei, refletindo-E depois da morte da minha mãe, tudo piorou

-Lamento muito. Deve ter sido difícil para ele também- comentou Carlos, os olhos demonstrando genuína empatia.

-Ela já estava doente...- comecei. Carlos franziu o cenho, interessado-...Mieloma- fiz uma pequena pausa.- Estava num estágio avançado e infelizmente era esperado. Os médicos deram, no máximo, três meses, mas passaram seis meses, um, dois anos, e as esperanças do meu pai de que ela melhorasse foram crescendo. E quando tudo aconteceu...- Uma lágrima escapou-me- Foi horrível.

-Sinto muito por isso, toma...- Estendeu-me um lenço- ...às vezes as coisas não são como queremos. Às vezes estamos tão presos numa ilusão que quando a realidade bate à nossa porta, é como levar um tiro no peito. É o momento em que a realidade choca-se com a imaginação e dói...-fez uma pausa breve, deixando as palavras pairarem no ar-...muito.

Ficamos um pouco em silêncio, até que Kika interrompeu-o com entusiasmo:

-Clara! Anda cá, está a começar a melhor parte da festa, não vais querer perder!

Olhei para Kika e depois para Carlos com um sorriso leve.

-Tenho de ir, parece que a festa está a chamar por mim.

-Claro, vai aproveitar. Foi um prazer conversar contigo, Clara-disse Carlos com um sorriso.

Segui em direção à festa, onde a minha amiga estava mais animada que o normal.

-Então? Quem era o tipo com quem estavas a falar?- perguntou Kika, num tom curioso.

-Que tipo?- fiz-me de desentendida.

-Ah! Pára, tu sabes bem do que estou a falar!

-Não era ninguém- respondi com um leve sorriso, tentando despistar.

Kika fez cara de desconfiada.

-Juro- assegurei, rindo- Não era ninguém importante.

Ela revirou os olhos, percebendo que não conseguiria extrair mais detalhes de mim naquele momento. Então, mergulhamos no burburinho da festa, absorvendo a música alta e as risadas animadas ao nosso redor.

LOUCOS DE AMOR- Carlos Sainz Jr.Onde histórias criam vida. Descubra agora