"Nenhum homem merece uma confiança ilimitada - na melhor das hipóteses, a sua traição espera uma tentação suficiente."
H. L. Mencken
EAST HAMPTON, NOVA IORQUE - EUA
01.12.2020 - 11:00 AMDuas semanas de uma longa viagem e paradas em locais cada vez mais medíocres me permitiram finalmente deixar Montauk para trás e atravessar a cidade de Napeague até East Hampton. Coisa que deveria ter feito logo no início de tudo, para que pudesse evitar que todos os eventos recentes acabassem acontecendo. Agora subia os degraus de uma escada caracol, andando em círculos e não indo para lugar nenhum a não ser para cima. A construção não abria brechas para qualquer luz do sol, deixando toda sua extensão interior mergulhada em penumbra. Se tratava do farol da baía, com seus impressionantes 75 metros de altura ao lado de um cais abandonado e sem barcos. Ansiava alcançar o ponto mais alto da cidade, com a intenção de poder observar todos os quilômetros que teria de percorrer para chegar até Wainscott. Analisar as ruas de uma distância segura para decidir que rota tomar, e evitar dar de cara com becos sem saída, hordas, ou até mesmo outros grupos.
Semicerrei os olhos quando cheguei ao topo, sentindo minhas córneas arderem com a luz repentina. A vista de um lado era impressionante: o vasto oceano e sua imensidão, ondas quebravam fervorosamente contra rochas na área costeira da praia. Do outro lado, nada que já não fosse esperado; todos os prédios de concreto, ruas impedidas, comércios devastados e... Uma horda presente na avenida principal. Durante o fim do primeiro dia naquela parada de caminhões, era daquilo que a repórter na TV tentava falar sobre: uma multidão de manifestantes enfurecidos tumultuando o centro, que teria sido interditado por militares uma semana antes. Me inclinei para frente e apoiei minhas duas mãos sobre o rodameio da meia parede, enquanto pensava no que fazer. Provavelmente seguir pela zona norte ou sul da cidade seria a melhor decisão a tomar em questões de segurança. Mas deveria considerar o fato de que contornar a cidade me tiraria a oportunidade de procurar por mantimentos.
Dei as costas para a vista e voltei a descer os degraus com disposição, sabendo que deveria aproveitar cada minuto do dia e usufruir da luz antes que a noite chegasse. De qualquer forma, exercício físico era sempre bem-vindo, então de maneira alguma subir todos os degraus por apenas trinta segundos de observação teria sido perda de tempo.
Meus pés voltaram a pisar sobre a areia enquanto ajustava o peso da mochila sobre os ombros. Retornei para minha caminhada na beira da praia, em uma rota paralela com a rodovia que levava até a entrada da cidade. Retirei meu caderno de anotações da bolsa, uma caneta bic azul e um lápis de grafite marcavam a última página em branco, que estava manchada pela marca de uma xícara de café. Prendi o lápis atrás da orelha e agarrei a caneta entre o indicador e polegar da mão canhota, tal qual usava para escrever.
"Milhares de pessoas vivenciaram o mesmo dia de formas muito diferentes quando tudo começou, isso me faz pensar muito todas as vezes que me deito pra dormir." ─ Parei de caminhar por um instante, puxando o lápis de trás da orelha criando um rascunho da paisagem que podia observar: rochas costeiras, a água e o farol, distanciando sua imagem exageradamente para uma ampla possibilidade de detalhes.
"Desde que comecei a escrever, esperava que não me sentisse tão sozinha, mas algo diferente aconteceu. Parece cada vez mais que não há ninguém em que se possa confiar. Em contrapartida, sinto algo que nunca senti antes." ─ Encarei uma pequena canoa encalhada na areia. Seus remos permaneciam ali dentro, abandonados. Se houvesse alguma possibilidade, registraria tudo com fotos, mas a única opção que me restava era desenhar.
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Meat Is Murder: Interritus
RomansEm um mundo devastado pelo caos e tomado pela fome, Regan encontra-se à mercê de Andrew, cujos métodos para sobreviver são repugnantes. Em uma reviravolta improvável do destino, o desconhecido acidentalmente livra a garota de uma morte cruel. A alia...