Um raio cortou o céu escuro e o tingiu de violeta. As árvores de natal que estavam expostas para venda balançaram com a ventania, e quase como se o vento a trouxesse, uma senhora entrou. Faltavam três minutos para loja fechar. Um bocejo denunciou meu cansaço. Suspirei fundo. Minhas pernas ardiam depois de quase dez horas em pé. O relógio marcava 21:57. Eu odiava horário comercial de natal, ou pelo menos trabalhar nessa época do ano.
Trabalhar dobrado durante os dias que antecedem o Natal era o único jeito de tornar o meu sonho um pouco mais possível. Foi-se o tempo que para trabalhar com ilustração, só era preciso bons lápis e folhas de qualidade. A mesa digitalizadora e um bom tablets não surgirão sozinhos na minha casa.
—Graças a Deus cheguei a tempo! — exclamou a senhora refazendo o coque grisalho desfeito pela ventania. — Preciso de brinquedos para duas meninas de quatro anos e um menino de nove, são meus netos. — um sorriso acolhedor anunciava a satisfação que sentia por estar ali.
Do lado de fora da loja, as pessoas começavam a correr. As caixas enormes de presentes nas mãos atrapalhavam o trajeto, mas todos pareciam obstinados a protege-las. A ventania anunciava a forte chuva que estaria por vir. A essa altura, já tinha desistido de conseguir chegar em casa antes do temporal, e pelo visto, a senhora na minha frente não se importava nem um pouco. Retirou da bolsa alguns papéis amassados, folheando-os como se procurasse por algo específico.
— A senhora tem algo em mente? — perguntei com desânimo. Só queria ir para cara, estava tão cansada, que deixaria de jantar só para ter mais horas de sono.
Ao invés de responder, ela finalmente pareceu ter encontrado o que queria entre os papéis, estendeu-o em minha direção. As letras garrafais denunciavam que alguma criança havia escrito aquilo, os desenhos ilustrativos de carrinhos e bonecos confirmava.
Enquanto encaminhava a senhora até a prateleira de brinquedos, avistei com tristeza o último ônibus da linha que me levaria para casa indo embora. Minhas pernas queimaram só de imaginar o trajeto que precisaria percorrer a pé. A senhora pegava cuidadosamente cada brinquedo que eu mostrava. O cuidado com que realizava a compra, prestando atenção em detalhes que só alguém que se importa muito se atentaria. Ao lembrar da minha própria avó, comecei a me esforçar para que aquelas três crianças tivessem a melhor surpresa possível.
—Arthurzinho vai amar esses blocos de montar. — disse a cliente lendo algumas instruções na caixa retangular do brinquedo. — Vou levar esse aqui.
— Ótimo! — respondi. Sentia minhas pernas queimarem pela exaustão. — E para as meninas?
Ela deu mais uma olhada entre os brinquedos que havia separado. Pegou dois kits de bonecas cabeleireira.
— Vou levar esses aqui para as meninas. — me entregou as caixas em seguida. — Dois iguais para não dar brigas.
Seguimos pelo corredor de decorações natalinas. Meus olhos cansados, já lutavam para continuar abertos. Árvores de Natal decoradas com enfeites brilhantes e guirlandas adornavam o espaço. As prateleiras estavam tão pesadas de enfeites natalinos que pareciam prestes a desabar a qualquer momento.
Embrulhei cada um dos presentes, tendo o cuidado para que cada papel de presente tivesse desenhos distintos, não queria que nenhuma criança recebesse o presente errado no natal. Fixei as pontas com fita adesiva transparente e colei um pequeno adesivo branco com votos de "Feliz Natal!". Ao terminar os pacotes entreguei-os a senhora que me devolveu um sorriso singelo em agradecimento.
À medida que eu caminhava em direção à porta da loja, para me despedir da cliente, o som da chuva intensa batia no telhado de zinco ecoava em meus ouvidos, e eu sentia o peso do cansaço em meus ombros cansados após um longo dia de trabalho. Bocejei mais uma vez. A tempestade lá fora era ameaçadora, o barulho dos trovões ecoava por toda a loja, e cada vez mais eu tinha medo de sair.
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Doce Clichê de Natal
Short StoryUma chuva estrondosa. Dois desconhecidos. A magia de Natal acontece. Ao encontrar Antônio naquela noite chuvosa e tempestuosa, uma mistura de surpresa, incerteza e curiosidade invadiu o coração de Marina. Seus olhos se fixaram nos enormes óculos red...