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Mais duas semanas se passaram, e nada. Não fui nem para o parque hoje, me sentia esgotada. Meu apartamento estava completamente bagunçado por papéis amaçados jogados no chão, meu cabelo parecia de uma louca e minhas roupas já eram considerados trapos. Estava em crise.

Quanto mais eu escrevi, menos eu gostava de minha escrita. Era tudo tão genérico.

Além de tudo, hoje eu estava fazendo 16. A idade que eu menos quis chegar em toda minha vida. Porque com ela, vem o baile de debutante. Tal cerimônia que eu nunca quis participar, mas que o vestido branco é idealizado pela minha mãe desde que soube que eu era uma menina.

O sonho dela sempre foi ter uma menina. Depositou todos os sonhos dela em mim, e queria com todas as forças que eu os realizasse. Um deles, esse baile ridículo. Que eu teria que ir com um par mais ridículo ainda.

Sequer me dei ao trabalho de procurar alguém, sabia que ela escolheria sozinha. Também não busquei saber quem seria o rapaz, não me interessava. Sei as danças do baile desde que aprendi andar, tive aulas de dança até sair da casa dos meus pais.

Fui criada para ser perfeita.

Me escorei na sacada, acendendo um cigarro. Não tinha bolo de aniversário, disse para meus pais que estava doente de mais para festejar. Uma mentira fajuta, mas que me livraria de ter que estar em um ambiente que eu não conheço metade das pessoas presentes.

Puxava, tragava, e soltava.

Deixei que minhas costas escorregassem no vidro, me escorando. Peguei um dos cadernos que estavam jogados e a caneta que sempre tenho na orelha.

Que venha algo do fundo da alma, qualquer coisa. Eu tentarei fazer um milagre até com a inveja.

Inveja.

      



    Já haviam se passado cerca de duas horas, quase nove da noite, e eu seguia sentada. Estava chegando em algum lugar, só precisava mudar uma palavra ou outra. Até que meu interfone tocou, tirando minha concentração.

Me levantei, seguindo até a cozinha onde ficava o telefone e atendendo.

— Sim? — falei.

— Boa noite, senhorita. Desculpe incomodar este horário. É o Jorge. Tem um moço aqui na portaria dizendo que gostaria de subir, disse que era seu aniversário e veio trazer um presente.

Meu estômago ficou mais gelado do que o frio que fazia. Que não fosse família, mas se não fosse, não poderia ser mais ninguém. Meu irmão já havia me mandando um presente, então quem era?

— Quem é, Jorge?

— Disse ser Touya. Touya Todoroki. Mando embora?

— Não, mande subir. O que ele tem em mãos?

— Ele pediu para que eu não diga, senhorita.

— Posso te pedir um favor, Jorge?

— Claro, senhorita.

— Não comunique meus pais sobre Touya, é apenas um amigo da escola. Mas você sabe como eles são, veem problema em tudo.

Nunca recebi ninguém aqui, mas não seria incomum meus pais acabarem sabendo que isso mudou. Claro, se soubessem, meus privilégios de morar sozinha poderiam ir por água a baixo.

— Prometo não dizer, senhorita. E feliz aniversário.

Respirei fundo. Eu estava fedendo a cigarro, estava com uma porra de uma calça xadrez vermelha e preta, e um moletom gigantesco. Além do meu cabelo que parecia um ninho de passarinho.

— Jorge, um último pedido? — Ele esperou que eu continuasse. — Mande-o subir, diga que a porta estará aberta e que eu apenas vou tomar um banho. Também avise que meu apartamento está horrível, obrigada.

— Gostaria que eu mandasse uma arrumadeira de manhã, senhorita?

— Não, obrigada. Depois eu mesma arrumo. Apenas passe o recado, obrigada.

Desliguei e corri para o banho.

Lavei o cabelo o mais rápido que pude, o corpo mais do que o necessário para tirar o cheiro podre de cigarro e passei meu perfume. Tentei ao máximo não demorar.

Não mudei muito a roupa, uma calça de moletom preta e um casaco cinza. Penteei o cabelo mas não sequei, coloquei uma meia e sai do quarto, chegando na cozinha e na sala não vi sequer um papel no chão. As luzes estavam apagadas e eu gelei, lembrando da nossa conversa no café.

Talvez eu não devesse ter mandado ele subir.

Ao pisar na sala, uma vela se acendeu. Uma vela de aniversário.

— Feliz aniversário, milady.

Dei um pulo com sua voz rouca, acendi a luz, sorrindo um pouco de nervoso.

— Como raios você descobriu onde eu moro?

— Eu sou bom em achar pessoas na internet, diferente de você. Por que não foi à praça hoje?

— Estava escrevendo. Você limpou meu apartamento?

— Sim, estava inabitável. Gostou do bolo? Fiz um pequeno, imaginei que estaria sozinha.

— Você quem fez?! — Era lindo, branco e vermelho, com o 16 velinhas pequenas.

— Sim, eu. Homens não podem cozinhar?

— Devem, e ainda bem que você sabe, porque eu estou morrendo de fome e minha comida é horrível.

— Não jantou?

— Não comi nada o dia todo, Touya. Na verdade, por que estamos conversando tão normalmente se essa é a terceira vez que não falamos?

Admito, isso era estranho pra caralho. Porém, eu até estava gostando do frio na barriga que essa loucura me proporcionava.

— Porque da última, você conseguiu me conhecer melhor do que qualquer pessoa. Então, estou sendo legal com você.

— Você é doido, e me assusta um pouco aparecendo assim na minha casa.

— Tudo bem, milady. Posso ir embora, mas aí não faço janta para você e levo o bolo, e também o presente que eu trouxe.

— Se fizer minha jante eu posso até casar com você, Touya.

𝐃𝐞𝐯𝐢𝐥'𝐬 𝐍𝐢𝐠𝐡𝐭  | ᴛᴏᴜʏᴀ ᴛᴏᴅᴏʀᴏᴋɪ, ᴅᴀʙɪ x ʟᴇɪᴛᴏʀᴀOnde histórias criam vida. Descubra agora