00.2 |Primeiro encontro

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Eduarda, point of view

O sol estava se pondo tornando possível ver o deslumbre fraco da lua no céu, indicando que o dia havia chegado ao fim me fazendo agradecer mentalmente por poder sair do 'consultório', a primeira coisa que faço ao levantar é me esticar, sentindo que mais uma vez voltaria para casa com dores nas costas devido a quantidade de tempo que passei sentada.

Depois de um breve alongamento pego minha bolsa e guardo as fichas dos pacientes com cuidado, fechando o zíper logo em seguida e indo em direção a saída do cômodo, me virando para trás pela última vez para conferir se tudo estava desligado e em seu devido lugar.

Jana era a última funcionária no local e não parecia muito contente de ter que me esperar bater ponto, já que a secretária mexia o pé repetidas vezes indicando o anseio por ir para casa além de ter uma carranca estampada em seu rosto, educadamente peço desculpas para ela e a espero fechar nosso local de trabalho, assim como a mulher tudo o que eu mais queria naquele momento era o conforto da minha residência.

E assim fiz, com minha mochila virada para frente – já que o Rio não é para amadores – peguei alguns ônibus e precisei andar 'pouco' até finalmente chegar em minha casa, era um lugar simples porém aconchegante e quando entro uma sensação de bem-estar me atinge, sem demorar muito retiro os sapatos logo na entrada e fecho a porta devido ao horário.

Um banho quente foi o necessário para que eu sentisse o peso do longo dia que tive cair em minhas costas sem piedade, ainda de cabelo molhado e vestindo apenas uma camiseta me deito na cama, acordando no dia seguinte com o alarme tocando sem parar, me forçando a sair dos lençóis e me preparar com pressa para mais uma batalha diária.

Eu achava que seria uma manhã calma, mas ter me dado o luxo de minutos a mais na cama já era um breve presságio que o dia seria corrido, muito corrido, e o ônibus lotado não ajudava muito, principalmente com o calor excessivo que fazia dentro e fora do transporte público.

Logo os murmuros dos trabalhadores e estudantes começaram a ficar mais altos e o barulho insuportável de sirenes aumentavam quando chegávamos ao ponto de destino final, passo entre as pessoas tentando sair do ônibus, já que alguns curiosos ficaram parados tentando identificar a razão para toda essa movimentação e o motorista parecia estar começando a ficar estressado com a situação.

E antes mesmo que uma confusão começasse eu estava do lado de fora distante o suficiente do tumulto, antes de ser barrada por um jovem fardado de pele negra e óculos redondos.

— Só estou fazendo meu trabalho, senhora. — Foi o que o rapaz me disse após minha insistência para prosseguir caminho.

E para que eu consiga fazer o meu, você precisa me deixar passar — Talvez não tenha sido ético responder ele dessa forma, principalmente quando se trabalha nesse meio e conhece bem a falta de paciência que atinge policiais, mas depois de ter me atrasado e ficado cozinhando dentro do ônibus a resposta saiu automaticamente da minha boca.

Longos minutos de conversa tentando convencê-lo de que eu realmente precisava passar resultaram apenas nele indo até o que me parecia ser seu superior, já que pela postura que tinha e a forma como o rapaz olhou para ele era possível perceber a hierarquia, mas o homem estava virado de costas me impossibilitando de vê-lo completamente, a situação não deveria me atiçar curiosidade mas assim fez.

É quando o homem se vira que percebo a caveira estampada na farda dele, meu olhar corre sutilmente pela figura masculina que caminha em minha direção, deveria estar na casa dos cinquenta e portava uma M4A1, rifle clássico do BOPE e não possuía uma expressão muito amigável no rosto.

Eu olhei o suficiente para reconhecê-lo das fichas que folheei ontem e por ironia eu o atenderia hoje se ao menos conseguisse chegar ao meu destino.

— Acho que meu soldado já te explicou a situação, minha filha. — Um tom firme saiu dos lábios dele e um suspiro pesado dos meus.

— Senhor... Meu primeiro paciente do dia é daqui a poucos minutos... — Limpei a garganta antes de começar falando baixo conforme conferia as horas no relógio de pulso — Sou psicóloga que atende na delegacia do bairro e assim como você, sei o quanto o tempo é valioso principalmente quando se trata de serviço. — Meus batimentos começaram a ficar acelerados e a maneira a qual ele me olhou me fez sentir a mesma coisa de quando tinha que me justificar para meu pai na adolescência, que péssimo — Eu realmente preciso muito passar... — Saiu quase como uma súplica.

Quando termino de falar um silêncio se fixa por alguns minutos entre minha fala e a dele e admito que estava pronta para dar meia volta e contornar todo o perímetro para conseguir chegar na delegacia.

Sobe, mas se houver uma próxima vez vai ter que pegar outro ponto pra descer  se tu quiser ir trabalhar. — Foi um tom menos rude do que eu esperava vindo de um tenente do BOPE e admito que respirei aliviada concordando com a cabeça conforme subia apressadamente as ruas sem ao menos olhar para trás.

E obviamente ainda cheguei atrasada, recebendo um olhar de desaprovação da secretária já que o paciente estava sentado esperando ao lado da sala.

— Seu Pedro, me desculpa o atraso a polícia estava impedindo a passagem. — Falo conforme me aproximo do senhor de aparência frágil e o ajudo a entrar no cômodo.

Era um paciente que já havia aceitado a própria morte e recusou todos os futuros tratamentos que receberia para evitar que a doença em seu organismo se espalhasse, resultando em um físico debilitado em pouco tempo.

E ao contrário de todos os atendimentos que eu fazia, ele contava sua vida como se fosse um livro aberto, eu o atendia para tentar fazer seu final de vida um pouco mais leve.

Pedro sempre dizia que eu não deveria sentir pena dele e de sua situação, que ele havia feito coisas ruins de mais no seu tempo de juventude quando servia a polícia e que mesmo sofrendo agora não é nem um porcento da dor que ele causou a outras famílias um dia.

E não é preciso dizer que depois dessa e mais duas sessões eu já estava trabalhando no automático, mais uma vez toques firmes na porta me fazem voltar a realidade.

— Pode entrar — Digo e a porta se abre logo em seguida conforme pego a ficha de Roberto Nascimento, meu próximo paciente.


— Bom dia. — A voz dele parecia menos firme e mais cansada do que quando falou comigo hoje cedo.

Eu o cumprimento com um aperto de mão e a julgar pelos ombros do homem ele parecia tenso, não sei se por conta do serviço ou de estar indo atrás de ajuda psicológica, e eu julgo ser a última opção.

Como de costume explico como funcionará os atendimentos e definimos os horários que ele pode ser atendido ao longo das semanas.

ULTRAVIOLENCE, capitão Nascimento.Onde histórias criam vida. Descubra agora