00.4 | Atônia

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Capitão Nascimento, point of view.

E como esperado pouco tempo depois de ter entregado o encaminhamento com minha assinatura – reforçando no documento que preciso de ajuda qualificada com urgência – não demorou para que Jana aparecesse no batalhão avisando que conseguiu uma vaga – por coincidência no local onde ela trabalhava com uma psicóloga recém formada que fazia atendimentos regulares a pouco tempo no Rio.

Mas não precisei me esforçar muito para descobrir que conseguir atendimento a essa altura do campeonato era praticamente impossível, a fila de espera crescia cada vez mais e tenho a plena consciência que me passaram na frente de pessoas que estavam esperando pelo mesmo que eu a muito mais tempo.

No fim sou apenas mais um hipócrita que ia contra meus próprios ideais, mas haviam muitas coisas em minha mente para me preocupar especialmente com a falsídia que cometia.

Estava sentado em uma das cadeiras de espera da delegacia conforme aguardava minha vez de ser atendido, a pouca paciência que me restava foi consumida pela ação policial que estava acontecendo desde a madrugada, agora sob o comando de outro capitão enquanto eu estivesse aqui, mas sabia que assim que terminasse a primeira consulta voltaria para o trabalho.

Hoje de maneira inabitual a farda parecia desconfortável como se apertasse meu corpo, principalmente a região do pescoço a qual podia sentir a gola, eu a toco o tempo todo com expectativa de aliviar o azucrinante mal estar causado pelo uniforme que estava mais do que acostumado a utilizar nesses últimos anos.

Para tentar camuflar minha ansiedade crescente pego uma das revistas que estavam espalhadas na pequena mesa de centro, observando o quão antigas eram e a camada fina de poeira em suas capas, folhas amarelas que conseguiram me manter entretido por alguns minutos até o barulho desagradável da porta se abrindo chamar minha atenção imediatamente, saindo um senhor do cômodo em passos lentos e sem pressa alguma, indo em direção a um jovem que o guia até a saída da delegacia.

Confiro as horas no celular mesmo com a certeza de que era o próximo, pois havia checado o papel com a data marcada no mínimo umas dez vezes antes de vir para cá, limpo as mãos suadas na calça do uniforme e decido me levantar olhando brevemente para o corredor que levava até a recepção, onde Jana estava com um sorriso gentil e fazia um sinal com as mãos me encorajando.

— Pode entrar — Escuto a voz feminina logo após ter batido na madeira com firmeza excessiva.

A maçaneta parecia fria de mais quando a toco e logo adentro no espaço, quadros de pintura espalhados captando meu foco, e no final era exatamente o que eu esperava de um consultório em uma delegacia afastada do centro da cidade.

— Bom dia — Falo em um tom de voz mais baixo e ao olhar para o rosto da psicóloga a reconheço no mesmo instante, em nenhum momento passou por minha cabeça que a moça qual me atenderia seria justo a que permiti a passagem para ir trabalhar enquanto a ação policial acontecia na parte da manhã.

Ela logo se levanta de onde estava sentada dizendo seu nome e eu a cumprimento com um aperto de mão, sentindo meu corpo ficar tenso novamente e soltando seu palmo segundos depois, a dúvida se uma mulher tão nova seria capaz de compreender e ajudar surge por um breve momento em minha mente.

Eduarda parecia perceber minha inquietação e logo começa a explicar como seria realizado os atendimentos ao longo das semanas, me sento na frente da terapeuta conforme observo por um breve momento a aparência dela, os cabelos longos e extremamente pretos que causavam constrate no jaleco branco, pele dourada e pouco avermelhada com óculos sutilmente tortos em seu rosto, provavelmente imersa no trabalho a ponto de mal perceber.

ULTRAVIOLENCE, capitão Nascimento.Onde histórias criam vida. Descubra agora