Vez fosse os 30 e poucos graus lá fora contrastando com o ar agradável dentro do bar que tornava aquela noite tão confusa, vez fosse a mente de Mathias que só precisava de descanso. Ele poderia apenas ter ficado em casa sem fazer nada, afinal, é o dono do maldito bar e tem a liberdade de fazer o que bem entender. Mas entre ficar sozinho remoendo o passado e ficar trabalhando com o que ele ama, bem, para o mais velho não haviam dúvidas.
Eram 21:30 de uma sexta feira, início de dezembro, o que trazia ao bar trabalhadores em seu happy hour quase chorando de felicidade pelas férias que finalmente haviam chegado. Tudo o que se ouvia pelo comércio eram juras de ódio contra chefes, lamentos por um salário injusto, ou confissões sobre algum affair.
Uma risada involuntária saiu dos lábios de Mathias, enquanto ele escutava mais uma das histórias de Fausto, um bêbado de 79 anos que contava suas experiências de vida. Mathias sabia que muitas vezes o senhor de idade inventava os relatos ou aumentava algo para parecer mais interessante, mas por ora, ria tanto com ele que preferia fingir que acreditava.
— Cê acha que eu tô inventando né moleque? — Fausto cerrou os olhos, enquanto tomava um longo gole da caneca de cerveja. Barreto arqueou a sobrancelha, negando com a cabeça enquanto batia a coqueteleira. — Acha sim. Eu sei que sou velho, mas ainda não tô doido não.
A história da vez se tratava de um dia no qual Fausto supostamente ganhou na loteria, mas perdeu o papel que comprovava sua riqueza. Ele sempre se lamentava por aquilo, fantasiando sua vida se fosse um velho milionário.
— Que isso seu Fausto, eu sei que é verdade. — Mathias rebateu, servindo o drink para um rapaz. — Tão verdade quanto aquela vez que uma puta implorou pra dormir com você, né? — Disse seguido de uma risada e um estalar de língua.
O senhor murmurou alguns xingamentos, negando com a cabeça de forma desajeitada, visto que estava mais pra lá do que pra cá.
Barreto nunca costumou se incomodar com casal de jovens frequentando seu bar. Até achava alguns bonitos. Mas agora, sempre que via uma mulher loira e um cara moreno, puta que pariu, se lembrava da maldita. Mathias não sentia saudade de Suzana, e disso ele tinha absoluta certeza. O que doía eram os bons momentos, que por mais antigos e raros que fossem, tinham, e tinham muitos. Os primeiros flertes, primeiros encontros, primeiras vezes. E nessa altura do campeonato ele havia percebido que um relacionamento era uma faca de dois gumes: em uma ponta a paixão, o carinho, a saudade, o prazer, a confiança. E em outra ponta as discussões, gritarias, desconfianças, distância. Sempre fora assim, e agora com seus 43 anos parece que tudo tinha finalmente entrado nos eixos.
A vida noturna agitada tornavam as coisas mais fáceis. Ouvir desabafos de estranhos, conversas paralelas, assistir casos de uma noite só, tudo isso lhe parecia um tanto quanto reconfortante. Saber que a vida nunca para, independente do que aconteça, todo mundo continua vivendo, e o mundo continua acontecendo.
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MENINA VENENO
Roman d'amourOnde recém divorciado de um casamento conturbado, Mathias Barreto encara o verão carioca na pior das hipóteses: sozinho e trabalhando. Por sua vez, seu melhor amigo preocupado com a mudança repentina na vida de Mathias, se sente na necessidade de in...