Parte Seis

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O primeiro beijo é realmente inesquecível. Lan Xichen foi beijado pelo menino que ele gosta e logo depois teve uma crise tão forte que o fez ficar isolado por horas. A manhã o encontrou ainda acordado, debaixo dos cobertores, abraçado com o travesseiro e sacudindo o pé no ritmo de sua ansiedade.

Muito se fala sobre quem sofre cuidando da crise de uma pessoa autista, mas pouco se fala sobre como há uma guerra dentro da própria pessoa e ela não consegue fazer isso parar.

Não importa se ele chorar, gritar ou ficar paralisado por horas, encolhido num canto, tentando juntar os pedaços… É muito difícil escapar de si mesmo e apenas… ir.

É como segurar um copo muito cheio e em condições em que o piso seja plano, você consegue chegar ao caminho sem derrubar o conteúdo.

O copo de Lan Xichen está sempre pela metade, mas ele está prancha que se inclina para cima, balança, treme e de vez em quando é besuntada com azeite. O mundo é feito para ele escorregar e quando Jiang Cheng o beija, assim de surpresa, mesmo que ele tenha gostado, é o gatilho que precisava.

Então, ele precisa colocar as coisas no lugar, analisar e juntar os pedaços de si mesmo.

Será que Jiang Cheng está se ressentindo dele por não aparecer?

O pensamento vai e volta, ele quer levantar, mas não está com forças para isso.

Fica ali, só existindo.

Enquanto isso, Jiang Cheng está fazendo um milhão de perguntas sobre como Lan Xichen não apareceu pra jogar, sequer fez login e não estava esperando por ele para irem juntos à escola.

Sua cabeça está muito além do normal, mas ele não está pegando fogo lentamente, só…

Talvez se sentindo rejeitado?

Quer dizer, ele deixou os sentimentos de atração dele bem claros e Lan Xichen não o recusou, mas nunca deu sinais muito claros de aceitação.

Por que sentimentos são tão confusos? Ele passa a aula toda esperando que Lan Xichen apareça magicamente, que envie uma mensagem, um sinal de fumaça, qualquer coisa.

Eles nem estão adicionados no celular um do outro e Jiang Cheng não está no grupo da escola pelo motivo óbvio de que detesta todos igualmente.

Saber onde Lan Xichen mora não melhora as coisas, ele fica no corredor por 5 minutos que parecem 5 anos enquanto está se preparando para tocar a campainha.

E se ele cruzar mais uma linha? Será que Lan Xichen vai ficar tão bravo que eles voltarão a ser como dois desconhecidos que sempre fazem o mesmo caminho?

Bater na porta é menos doloroso e sufocante do que ele pensou que seria. As batidas do coração parecem contar os últimos segundos da vida dele, tão alto que ele consegue perceber.

Jiang Cheng certamente ganharia um certificado de ansiedade máxima se fosse a consultas psicológicas com maior frequência.

A maçaneta gira e ele percebe que não ensaiou o que dizer caso outra pessoa abra a porta.

Jiang Cheng odeia falar, ele nunca sabe se está no tom correto. Não importa que ele ouça e conviva com as pessoas, ele ainda pode errar se ficar nervoso.

Ele odeia errar, pois faz parecer que sua família gastou dinheiro em seu implante pra ele jogar fora.

— Oh, oi. - Jiang Cheng reconhece muito fácil esse menino como irmão de Lan Xichen. Se as idades não fossem distantes, esse menino seria o gêmeo dele. A única outra diferença é o cabelo do menino ser comprido até o ombro. — O que posso ajudar? - Jiang Cheng abre a boca, pensando numa desculpa, nada sai. — Você precisa de alguma ajuda?

Então, analisando Jiang Cheng mais um pouco, o menino parece se dar conta do que é o problema.

“Você está mais confortável com a língua de sinais?”

O gene de “adorabilidade” deve estar nas veias dessa família.

Jiang Cheng faz que sim com a cabeça e o menino passa a conversar com ele por sinais. É simplesmente assombroso o quanto ele sabe muito mais que Lan Xichen, as expressões faciais acompanhando os movimentos das mãos.

Com 10 minutos de conversa, finalmente, ele tem a confirmação de que Lan Xichen não é apenas um garoto que está fugindo dele, mas que entrou numa crise e por isso os tios o deixaram ficar em casa.

Ele usa a desculpa de que vai explicar a atividade para Lan Xichen e consegue entrar, mas imagina que o menino saiba bem que é mentira.

Fica estampado no rosto dele inteiro.

Jiang Cheng bate na porta algumas vezes e então entra no quarto.

Diferente do que ele pensava, Lan Xichen é organizado.

Há pôsteres nas suas paredes, uma prateleira de figuras de ação de seus personagens favoritos do jogo, cadernos de desenho empilhados ao lado do computador, chinelos enfileirados no canto do quarto.

A única bagunça é a cama revirada.

Nesse momento, mais do que em qualquer outro, Lan Xichen não parece um  causador de problemas. Pelo contrário, ele parece só um menino que cresceu muito alto.

Ele está encolhido em volta do travesseiro, abraçado a ele, os olhos fechados e o cabelo cacheado retorcido em todas as direções.

Jiang Cheng deixa seu caderno de inglês e matemática na escrivaninha, deixa a mochila perto da porta e se senta na cama de Lan Xichen, fazendo um carinho na sua testa até que o amigo abra os olhos.

— Mm, o que foi? - murmura, atordoado, piscando os olhos para focar quem está tocando nele.

Como regra geral, ele não gosta de contatos que ele não inicia, mas está com tanto sono que nem reage.

Jiang Cheng quase engasga com saliva, mas consegue vocalizar sua desculpa.

— Ah, eu… Bem, eu vim trazer as atividades que você perdeu hoje. - Lan Xichen pisca mais algumas vezes, como se Jiang Cheng tivesse falando grego ou coisa assim. — Hm, er, acho que já vou.

No fundo, ele quer que Lan Xichen peça para ele ficar e tudo, mas ele sabe que é um desejo egoísta, então fecha a porta devagarinho depois de recolher sua mochila.

Ele vai conversar com Lan Xichen sobre o beijo depois, quando as coisas estiverem mais normais.

——

Oi, eu tô com sono, mas acabei um pouco e vim atualizar.

Beijo

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