Parte 10

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Depois de toda a intensidade vivida, voltei para minha rotina normal e, infelizmente, tive o azar de estar na mesma sala de aula que o Pedro.

Por sorte, sequer nos cumprimentamos. Era sempre a mesma coisa, fazer de tudo para não lembrar do Enzo e fingir que nosso distanciamento não me abalou.

Minhas amigas perguntaram sobre o que aconteceu entre nós naquele final de semana e se ainda nos falávamos. Mesmo com redes sociais e tudo mais, não tínhamos nada um do outro.

Mas parecia, realmente, ser muito bom para durar. No geral eu continuo igual, sempre me afastando de todo mundo, sem saber exatamente como seria se às coisas não tivessem tomado o rumo que tomaram.

Um minuto após o meio dia, sai correndo da sala e fui ao banheiro. Quando voltei ao corredor, fiquei em frente a um dos elevadores e esperei que chegasse ao meu andar.

Um grupo havia entrado no outro, então corri até lá para entrar também. Estava cansada, minhas noites de sono não andavam muito boas devido às tantas provas que aconteceram durante a semana.

Porém, meus nervos travaram ao notar que estava de frente com quem eu mais evitava. Como sempre fazíamos, ignoramos o fato de nos conhecermos e agiamos como completos estranhos. Era uma boa ideia, mas me deixava frustrada.

Agradeci quando chegamos ao térreo e pude me afastar. Corri como uma louca, teria menos de uma hora para almoçar. Depois desse tempo, mais duas provas me aguardavam e, finalmente, eu poderia chegar em casa e me jogar na cama.

Quando vi meu reflexo no espelho do banheiro, me questionei se eu realmente precisava parecer tão mal, visualmente. Mas não sobraram energias para nada além de noites em claro sobre pilhas de livros.

Além do mais, os estudos se tornaram uma desculpa para tudo. Por muitos dias me julguei por ter ido naquela viagem, tudo seria menos frustrante. Em partes, porque o que aconteceu com o Pedro nunca me levou a criar expectativas, mas com o Enzo eu havia fantasiado um romance perfeito.

Balancei a cabeça, não era hora para ser tomada pela mesma pilha de pensamentos. Molhei o resto, refiz o coque no cabelo e caminhei, sozinha, até o lugar que eu comeria.

A semana estava por um fio, como previ. Tentei recaptular algumas coisas dos conteúdos enquanto comia, mas me senti extremamente frustrada por não conseguir lembrar de metade do que deveria.

Respirei fundo, estava em cima na hora para chorar, restava ter coragem e confiança. Levantei da mesa, voltei para meu bloco e corri até a sala de aula.

Fiz ambas às provas, quando acabei, foi como se um peso gigante fosse retirado das minhas costas. Então, sem tanta pressa para voltar para casa, sentei em um banco embaixo de algumas árvores e chorei por longos minutos.

Era uma parte da minha cura interior. A vida não estava sendo fácil, mas já não estava muito bem antes mesmo das férias. Funguei, limpei os olhos e voltei a caminhar, dessa vez, indo para o terminal.

Aquele ônibus lotado, unido com meu cansaço, pareciam o caos perfeito. Respirei fundo, agradecendo por morar a apenas cinco paradas. Como em uma maratona, tentei camjnhar até a porta quando chegou minha vez de descer.

Haviam tantas pessoas, e tanto barulho dentro do veículo que nem percebi que começou a chover. Praguejei, pois não tinha guarda chuva e levaria mais de sete minutos de caminhada até chegar na minha casa.

Tudo parecia tão perdido que simplesmente aceitei a situação, ficando mais encharcada a cada passo que dava. Quando vi o portão cinza meio envelhecido, corri até lá e o abri com rigidez.

Corri para dentro de casa, joguei minha mochila no chão e fui até o banheiro, precisava de um banho quente e uma boa noite de sono. Foi o que fiz, ignorando completamente que precisava me alimentar antes de dormir. Apenas me certifiquei de ter trancado tudo e simplesmente me enfiei embaixo das cobertas quentinhas.

Continuava chovendo do lado de fora, ficava mais forte a cada segundo e aquele barulho aliviou minha inquietude.

Cai de cabeça em um sono profundo.

No dia seguinte, um sábado, acordei por volta do meio dia, minha barriga começou a fazer barulhos e deduzi que precisava levantar. Primeiro, fui ao banheiro e tomei um banho demorado, vesti uma roupa fresca e em seguida fui até a cozinha preparar algo para comer.

Há tempos eu havia parado de tomar café, mas senti vontade de consumir a bebida quentinha com um misto quente. Foi o que fiz, sentando na mesinha que ficava na área externa da casa, olhando o pouco movimento na rua.

Além do horário, o céu estava nublado e anunciava mais chuva durante o restante do dia. Como não haveriam mais provas, apenas tomei meu café da manhã e fiquei ali, encantada com a calmaria na rua.

Um vento frio se enrolou no meu corpo, anunciando que eu deveria me agasalhar. Devido a chuva de ontem, espirrei algumas vezes desde que acordei, mas não parecia que iria piorar, então ignorei e voltei a mergulhar em pensamentos.

Olhei algumas coisas no celular, evitando abrir o aplicativo de mensagens e me deparar com várias abas a serem abertas e respondidas. Uma hora deveria ser feito, então não adiei.

Respondi o que parecia urgente ou necessário, o resto voltou a ser ignorado. Uma amiga perguntou se poderia vir a minha casa à tarde, pensei em recusar, mas há tempos não recebia visitas. Talvez fosse uma boa ideia.

Não tinha muito o que arrumar, pois sempre tentei deixar tudo no seu devido lugar ao longo das semanas. Precisava apenas comprar algo para comermos, já que estava sem coragem de cozinhar.

Resolvi pedir um bolo e alguns salgadinhos. A entrega seria feita em breve, então, me restava continuar esperando na varanda. Respirei fundo algumas vezes, sem saber o que esperar da conversa.

Não sabia se ela iria reclamar do meu afastamento ou se perguntaria como tenho passado. Minha expressão conta muito, mas ainda assim não saberia reverberar tudo que estava guardado em mim.

Voltando a realidade, me vi assustada com o barulho de um trovão. Meu peito gritou, fazendo minha respiração ficar descompassada. Como um amigo me ensinou uma vez, 'respire com a boca fechada', e aquilo sempre me salvava de continuar afogada nos meus pensamentos.

Pouco a pouco, tudo estava no ritmo novamente e então, recebi minha entrega em menos de meia hora. Agradeci e voltei para dentro, buscando uma toalha de mesa nova e algumas louças. Organizei tudo com um zelo e delicadeza indescritíveis, pois estava feliz em ter com quem conversar depois de tanto tempo.

Olhei no relógio e o horário marcado estava quase virando um atraso de dez minutos. Pensei em ligar ou mandar uma mensagem, mas parecia frustrante de mais.

Meus olhos perderam o brilho novamente, e me levaram de volta a lembranças que eu tanto evitava. Espirrei algumas vezes seguidas, senti meus olhos arderem e o frio ficou mais intenso no meu corpo.

Pensei em ir deitar e descansar mais um pouco, mas não me perdoaria por negligenciar a visita da minha amiga. Levantei para pegar um pouco de água, pois um leve desconforto surgiu na minha garganta.

Quando estava chegando na porta, uma buzina começou a irradiar do lado de fora e deduzi que fosse na minha casa. Corri até lá e abri, me deparando com um carro que, mesmo depois de um certo tempo, llembrava muito bem.

Meus lábios tremeram, sem saber exatamente o que deveria fazer. Em momento algum eu poderia culpa-lo, unicamente, pois eu também não me esforcei para manter contato. Ele saiu do veículo, parou na minha frente e ficou ali, me encarando como se eu fosse uma gota de chuva no deserto.

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