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AYANNA SCHMIDT

Liberdade, essa deveria ser a principal coisa que eu deveria sentir, mas eu me sentia sufocada, perdida, conturbada, apavorada.

Era uma nova fase para mim, era minha vez de seguir meus sonhos, minha vez de viver tudo o que não vivi enquanto tinha meu inferno particular.

Minha mãe sempre foi narcisista, era cansativo viver com ela. Cansativo me esforçar para fazer ela feliz, dar orgulho ou ao menos ser notada por ela, o que era ridículo, ridículo sentir falta do amor que nunca me foi direcionado, do afeto que eu nunca tive.

Eu não tinha uma mãe, tive uma doadora de útero, ela nunca me amou, ela nunca teve orgulho de mim. Quando recém nascida até meus 5 anos eu vivi com a minha tia Josie, depois disso Kamila voltou para me pegar por algum motivo desconhecido. Ela não esteve lá no meu primeiro passo, ouviu minhas primeiras palavras, passou uma tarde no parque, ficou comigo na cama depois de um pesadelo dizendo que iria ficar tudo bem e que estaria comigo, nunca foi em nenhuma apresentação escolar minha, nunca contou histórias até que eu pegasse no sono, cuidou dos meus cabelos, disse que ficaria tudo bem depois de um dia exaustivo. Eu só tive a minha vizinha, dona Ofélia foi a única que realmente cuidou de mim, depois do dia que eu bati em sua porta dizendo estar com muita fome, me tremendo, suja e fedendo fazia tanto tempo que eu não tomava banho ou comia muito menos via minha doadora de útero, acho que fazia em torno de uma semana que ela não voltava para casa. Isso acabou amolecendo o coração da minha velha, ela cuidou de mim por um mês.

Até que um dia Kamila bateu na porta me procurando, dona Ofélia não queria deixar ela me levar mas eu disse que não teria problema, quando eu cheguei em casa eu apanhei, ela dizia que um "lixo" como eu não podia atrapalhar a vida das pessoas e que eu tinha que ter morrido. Passava quase todas as tardes na casa da dona Ofélia, enquanto Kamila estava fora, ela não gostaria de saber desse vínculo, então fazia tudo no sigilo. Se não fosse por dona Ofélia eu teria morrido 10 anos atrás.

7 anos, eu tinha apenas 7 anos. Eu não sei como sobrevivi tanto tempo por conta própria, e também não sabia o motivo do seu ódio por mim, e por melhor que fosse eu não tinha culpa de nada. Eu era uma criança e ela uma irresponsável de merda que me trouxe vícios para saber lidar com ela sem surtar, óbvio que dona Ofélia odiava me ver fumando, ou quando estava podre de bêbada, mas era inevitável, é mesmo me xingando a torta e a direita ela sempre cuidava de mim.

Agora com 17 anos estou voltando para casa da minha tia Josie.

-Eu já disse pra você parar de fumar essa coisa! - Minha velha disse me tirando de meus pensamentos.

-Que isso, velhota? Cadê o boa tarde minha filha ou tudo bem minha florzinha? - ironizei dando uma última tragada no meu cigarro antes de apagar o mesmo.

-Tudo bem com a senhora? - falei indo ao seu encontro dar um abraço bem apertado.

-Tô e você tá fedendo. - retribuiu o abraço na mesma intensidade.

-Engraçado que você ainda está enganchada no meu pescoço! - ela soltou uma risada batendo no meu ombro de leve.

-...Você já vai Ynna? - se afastou para olhar em meus olhos.

-Sim, mãe. - falei sustentando o olhar. Dona Ofélia era uma mãe pra mim ou o mais próximo de uma que eu já tive.

-Eu te amo, filha. Você sabe disso, não sabe? - acariciou meu rosto

-Você foi a filha que eu não tive, não sei o que faria se você não aparecesse na minha porta naquela tarde, Ayanna. Me perdoa se eu não pude te tirar daquele lugar eu-

-Ei! Tá tudo Bem mãe. - limpei a lágrima solitária que escorreu de seus olhos azuis.

-Você foi incrível, você foi o meu lar, a única que me mostrou um amor que eu seria incapaz de saber o que era, você foi mãe, MINHA mãe. Mesmo sabendo que não era obrigação sua cuidar de mim, você cuidou, e eu sou grata, você cuidou dos meus machucados... acariciou minhas cicatrizes, secou minhas lágrimas, me abraçou em momentos de desconsolo. Eu te amo mãe, e minha maior dor agora é ter que deixar você.- beijei o topo de sua cabeça.

-E ela? Onde ela está?

-Hum... falei com uns colegas e ao que parece está caída de bêbada em um beco qualquer.- eu não tinha falado com ninguém, fazia um tempo que não via ela, mas essa era a ideia mais provável.

-Será que ela vai atrás de você?!- sua postura ficou rígida ao falar.

-Não sei, e se for não vai achar, Josie garantiu que estarei protegida.- garanti a olhando profundamente.

-Tá... mas... eu quero e exijo que você me ligue todos os dias e me conte tudo.- me deu um sorriso acolhedor.

-Eu sei que está com medo, pequena, mas vai dar tudo certo.- pegou uma de minhas mãos beijando a mesma.

-Eu espero que sim, mãe.- disse a analisando, Ofélia não era velha tinha em torno dos seus 39 anos, seus olhos eram azuis, cabelos loiros curtos, pele branca, nariz e boca finas, algumas rugas na testa e nos cantos dos olhos, corpo magro, uns 1,58 de altura. Ela usava um jeans junto de uma sandália branca, sua blusa e manga longa com mangas bufantes. Eu de verdade não sabia como ela estava solteira.

-E é óbvio que a senhora vai estar sempre atualizada da minha vida.- bufei uma risada.

-Agora você tem que ir, pequena.- me puxou para um abraço ainda mais forte, senti lágrimas molhando minha blusa, mergulhei meu rosto em seus cabelos curtos fazendo carinho em suas costas.

-Não esquece da sua velha aqui, por favor, e venha me visitar às vezes.

-Claro, mãe.- beijei o topo de sua cabeça, fazendo a mesma me olhar nos olhos.

-Agora eu tenho que ir.- apertei a mesma em um abraço novamente antes de lhe dar as costas e seguir até o táxi.

-EU TE AMO!- gritou quando abri a porta do táxi

-EU TE AMO MAIS!- gritei novamente pela janela do táxi.

-Onde vamos, senhorita?- o motorista perguntou meu olhando pelo retrovisor.

-Para o aeroporto, por favor.








Agora vai ser tudo diferente?

The Perfect ConfusionOnde histórias criam vida. Descubra agora