A primeira vez que o vi, tentei me convencer de que não era real, apenas meu cérebro pregando peças depois de um dia exaustivo, ainda que eu não acreditasse nisso, eu precisava me agarrar em alguma ideia.
Investi tudo o que eu tinha nessa casa, não havia mais grana para nada, nem mesmo um hotel de beira de estrada enquanto um bruxo ou padre tire a possessão da casa. Mesmo não sabendo o que é essa coisa.
Se a casa tinha um espirito, então eu teria que ignorar e seguir em frente.
No começo foi fácil, ele só ficava no canto do quarto, misturando-se ás sombras. Observando enquanto eu pegava no sono. Depois, ele passou a circulas pelo quarto e corredores.
Mas agora ele me acompanha a cada passo.
Assim que entro em casa, viro paro a aparador, coloco minhas chaves, relógio, brincos e penduro o casaco no cabideiro. Já posso sentir a sombra se esgueirando pelas paredes atrás de mim. Ele circula até o cabideiro, fazendo a peça recém pendurada balançar.
— Hoje não, cara. Estou cansada demais para esse jogo de assombração malvada.
Bem, eu não tenho certeza que é um cara. Nunca o vejo se mexendo, sempre fora do meu campo de visão ou rápido demais para que eu possa distinguir.
Mas eu o vejo quando está parado. Principalmente agora, enquanto ensaboo meu corpo no chuveiro. Não me lembro de ter deixado a porta aberta, mas não importa, ele sempre dá um jeito de me observar.
Não estou com medo realmente, é mais um instinto de preservação, eu encaro a escuridão na porta, mesmo com a luz do quarto apagada, a luz que vem da janela me daria alguma visão, então sei que é ele.
É quando o vejo pela primeira vez na luz, longos dedos negros passando pelo batente da porta com suavidade.
Porra, eu devo estar muito cansada ou conformada, porque não estou com medo disso.
Acho que me acostumei com sua presença. É melhor do que me sentir sozinha o tempo inteiro.
Desligo o chuveiro e me enrolo na toalha. Ele se afasta quando me aproximo da porta, me dando espaço para continuar minha rotina da noite.
Não que seja algo especial.
Me sento na cama com meu tubo de hidratante, até espalho em uma perna, mas meu corpo todo dói, meus olhos queimam com lágrimas ásperas. Nunca achei que chegaria a chorar de cansaço.
Não só pelo trabalho pesado de doze horas diárias, mas meus pensamentos não me deixam descansar. Gostaria de colocar a culpa nessa sombra se esgueirando para debaixo da minha cama, sobrando uma respiração quente em meus tornozelos, mas a sensação de calor chega a ser benvinda.
— Eu já disse, não vou me encolher na cama e dormir de luzes acessas essa noite, porque não marcamos nosso encontro sinistro para meu dia de folga? — minha brincadeira não tem humor.
Deixo meu corpo cair para trás no colchão e fecho meus olhos, eu sinto a sombra passar por meus pés, como brisa quente. Não está nada tímido hoje.
Ele segura meu pé direito, acho que agora que ele me puxa para baixo da cama e me arrasta para o inferno e Deus... eu ficaria feliz com isso.
Mas o que acontece é diferente. Eu não sei dizer se ele é físico ou apenas uma sombra, a sensação dele passando através some a medida que os dedos longos ganham mais substância, ainda não se parece com pele, embora consiga me segurar. Como uma cartilagem firme e aveludada, coberta de fumaça densa que envolve mais do que a pequena área que ele segura.