Capítulo dois - Tem um anjo no meu quarto

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De uma coisa eu estava começando a ter conhecimento:

1° Anjos existiam.
2° Eles tinham asas enormes e brancas.
3° Eles eram incrivelmente gostosos.

O garoto usa uma camisa branca de manga curta, uma calça branca e tênis branco. Seu cabelo escuro está amarrado no topo da cabeça com um elástico. Seus lábios são finos, suas sobrancelhas são grossas e escuras e seus olhos são como duas lâminas afiadas. Ele tem uma pintinha ao lado da boca. Ele olha para o teto e eu sigo seus olhos, observando o estrago que ele havia feito em meu teto. Eu começo a entrar mais para dentro, ainda olhando para o teto e piso em falso, rodopiando e tropeçando em meus próprios pés. E como uma melodia ensaiada ou uma cena clichê de dorama, o garoto anjo me ampara em seus braços fortes. Agora a luz estranha que o trouxe até meu quarto ilumina eu e ele. Tudo começa a passar em câmera lenta, e eu fixo meu olhar em seus olhos pela primeira vez. Meu coração acelera de um jeito esquisito e sinto minhas bochechas esquentarem. Os olhos dele são escuros, diferentes dos meus olhos castanhos. Sua pele é clara, e um fio de seu cabelo escuro escorre por sua testa, ficando em seus olhos.
- Esse é o momento que você se levanta, até que horas quer que eu fique te segurando?
Sou trazido para a realidade de forma grosseira e me afasto do garoto-anjo, ajeitando minha roupa e dando um pigarro nervoso.
- Olha o...
Ele começa a andar pelo pequeno cômodo que é o meu quarto, suas asas enormes derrubando meu abajur e esbarrando em tudo.
- Antes que fale, eu já sei o que vai dizer: ''Ahh, ele é um anjo.'' Sim, eu sou. ''Meu Deus, como ele é bonito.''Sim, obrigado eu sei o quanto sou lindo.'' ''Você tem asas?'' Sim, mas é claro. Todos os anjos tem asas.
Ele volta seu olhar para mim e lhe ofereço minha maior cara de tédio e de repente me sinto irritado.
- Você destruiu a porra do meu teto!
Ele arregala os olhos, e tampa os ouvidos como se estivesse sentindo dor.
- Mandamento número 653: ''Não dirás palavras profanas e sujas ou seu corpo se reduzirá em pecado e logo em seguida em pó.''
- Mandamento? Que porra é essa?
Ele solta um resmungo, e continua andando ao redor, esbarrando em tudo.
- Você poderia sumir com... essas coisas? Ou vai acabar destruindo o que restou da minha casa.
Ele olha em volta, e mira o olhar em suas mãos.
- Coisas?
- Sim. - Eu respondo impaciente. - Essas asas.
- Oh, perdão.
Perdão? Quem diabos falava desse jeito?
Em um movimento com os ombros, as asas do anjo somem dentro dele, e eu rodopio ao seu redor procurando o artefato estranho cheio de penas. Ele dá um sorrisinho e eu me afasto.
A chuva continua caindo, e corro para pegar bacias para colocar debaixo das goteiras que caem do meu teto destruído. No chão já formou uma poça, e a água começa a escorrer para os outros cômodos. A senhora Cha agora não só tinha o aluguel atrasado, mas também o teto de seu apartamento destruído. Agora eram dois motivos para me despejar. E tudo culpa daquele anjo idiota. Eu me sinto esgotado, aquela noite estava durando mais do que eu havia desejado há uns minutos atrás. Me viro para o garoto-anjo e ele me olha de volta. Percebo que ele é bem mais alto do que eu.
- Olha, eu não sei de que lugar você veio e...
- Do céu, eu vim do céu.
Eu sacudo a cabeça e forço um sorriso, falando entredentes.
- E você poderia voltar pra lá. Agora?
- Hum...
Ele pensa, colocando a mão embaixo do queixo. Olha para cima, vendo o estrago que causou no meu teto.
- Vou te ajudar a consertar isto.
Eu sigo seu olhar e fico confuso.
- Aliás, você me chamou. Eu só fiz um pouso um pouquinho forçado, estava chovendo muito.
- Achei que os anjos tinham super poderes. Visão raio x talvez.
- E temos mas, estou meio quebrado no momento.
- Também está sem dinheiro e foi demitido do seu emprego?
- Bom, basicamente isso.
- Deus te odeia?
O garoto-anjo ri, e solta uma tosse para disfarçar mas, é tarde demais. Ele está zoando com a minha cara.
- Certo, onde estão os meus modos. - Ele se curva de maneira teatral. - Sou o Boss, seu anjo da guarda.
Eu fico olhando pra ele, mas não consigo segurar o riso por muito tempo. Caio na gargalhada e o garoto-anjo, ou Boss, fica me olhando sem entender.
- Os humanos são tão... estranhos. - Ele diz.
- Desculpa é só que não entendi muito bem. Você disse que é meu anjo da guarda?
- Sim.
- E pra que você serve exatamente? Vai me conceder 3 desejos?
- Sou um anjo, não o gênio da lâmpada.
- Não é a mesma coisa?
Ele sacode a cabeça, negando. Escuto minha barriga roncar e me lembro que não comi nada desde o almoço.
- Precisa comer. - Ele me diz.
- O que você gosta de comer? - Vou até a cozinha e ele me segue.
- Anjos não comem, somos seres celestiais, Noeul.
Me viro pra ele, com um lámen nas mãos.
- Você sabe meu nome?
Boss revira os olhos e cruza os braços.
- Eu disse que sou seu anjo da guarda.
Olho para ele desconfiado.
- Ok, então eu tenho perguntas e não tem nada a ver com você ser bonito.
- Então concorda que eu sou bonito?
- N-n-não é nada disso.
Ele se senta em uma das cadeiras e me observa, cruzando os braços em cima da mesa. Eu me sento na cadeira em frente a ele e penso por um momento antes de fazer minhas perguntas.
- Você é um anjo, seu nome é Boss. Mas você não é só um anjo, é um anjo que tem asas e é meu anjo da guarda. Mas não tem super poderes.
- Eu não tenho super poderes agora.
- O que isso significa?
Ele me encara sério.
- No paraíso celestial, cada anjo é responsável por um humano. Observamos seus passos, o que estão fazendo e se estão correndo algum tipo de perigo. Nem sempre podemos evitar que as coisas aconteçam, são planos de Deus mas, podemos ficar ao lado de vocês para que passem por aquilo. Seja uma doença, ou algum acidente não fatal. Ficamos ao lado de vocês protegendo a alma de vocês, para que a alma de vocês não seja corrompida.
- Corrompida?
Boss suspira, e o silêncio que nos rodeia faz com que eu escute as goteiras dentro do meu quarto.
- Sim. Devemos cuidar do humano que foi designado para nós, para que não queira morrer ou tentar morrer. Se isso acontecer, somos mandados para a terra como punição. Somos obrigados a viver como mortais e não poderemos retornar para o paraíso celestial enquanto isso não for revertido.
- E se vocês... falharem? E se o humano ainda quiser morrer?
- Bom... creio que ficamos aqui para sempre, e nos tornamos humanos como punição.
- Ser um humano seria uma punição?
- Sim, Noeul. Para um anjo, seria uma vergonha.
Eu havia pensado em morrer, eu havia tentado morrer. Boss estava ali por minha causa. Por mais maluca que fosse aquela história, ele precisava de mim.
- Então, se eu te ajudar, o que eu ganho com isso? - Eu pergunto.
O microondas apita e eu me assusto. Retiro o lámen e queimo meus dedos com a embalagem quente. Boss se apressa e segura minhas mãos entre as suas, aliviando quase de forma mágica a queimação em meus dedos.
- Achei que havia falado que não tinha mais seus poderes.
- Talvez eu ainda tenha alguma carta na manga.
Eu engulo em seco e me esquivo do toque quente e macio de suas mãos.
- Me perguntou o que ganha com isso, em me ajudar. - Ele suspira. - Em minha opinião você não deveria ganhar nada, porque nós só estamos nessa bagunça por sua causa.
- Minha causa? - Eu rebato. - Você destruiu meu telhado fazendo um pouso catastrófico.
- O que? - Ele se agita, balançando os braços começando a andar pela minha cozinha pequena. - Eu sou um anjo que sabe voar muito bem mas, estava chovendo. Um raio poderia ter me acertado!
- Você não pode morrer, é um anjo.
- Você tentou se matar, você iria pular!
- Não iria não.
- Você chamou Deus de... de...
Ele fecha os lábios em uma linha fina, apontando um dedo em riste em meu rosto. Eu me aproximo, ficando perto.
- De babaca?
- Mandamento número 164: Não usará palavras agressivas ou profanas para se dirigir a Deus.
Eu me sinto irritado e levanto meu dedo médio em riste pra ele.
- Se continuar com esses modos eu posso negar seu desejo, humano.
No mesmo instante eu abaixo meu dedo e me afasto, olhando para ele.
- Você disse que não é o gênio da lâmpada.
- E não sou, não posso te conceder três desejos mas posso conceder um.
- Com qual condição? - Pergunto em desafio.
- Precisa me ajudar.
- Como?
Ele pensa por um momento e anda pela cozinha, depois passa para o cômodo do lado e olha para o enorme buraco que ele causou em meu teto. Eu o sigo de perto, ansioso pelo o que ele tem a dizer.
- Vamos fazer um acordo.
- Um acordo, certo. Estou ouvindo.
Ele se vira e topa comigo, me segurando pelo cotovelo para que eu não caia de cara no chão.
- Consertarei seu telhado e...
Eu dou um sorriso e Boss me olha, curioso.
- Estou gostando, continue.
- Consertarei seu telhado, e você me ajuda a voltar para o paraíso celestial. Se fizer isso, te concederei um desejo.
- O que eu quiser?
Ele assente.
- Isso parece moleza. E vai me deixar feliz. A senhora Cha não vai me perturbar por causa do telhado e você ainda vai sumir da minha casa. Isso é perfeito. Por onde começamos?
Boss me dirige um sorriso de canto de boca, e isso faz com que sua pintinha se repuxe um pouco. Porra, como ele podia ser tão bonito? Será que seria ele o favorito de Deus?
- Primeiro, Noeul - Boss responde, com uma voz melodiosa. - Você precisa querer viver.
Ah, merda...

Um anjo de natal • BossNoeul Onde histórias criam vida. Descubra agora